Você sabia? Nome de Noronha é homenagem a português que nunca foi à ilha

Canhões e outros objetos dos fortes são vistos em muitos lugares turísticos de Noronha. Foto: Luiz Pessoa/NE10Canhões e outros objetos dos fortes são vistos em muitos lugares turísticos de Noronha. Foto: Luiz Pessoa/NE10

Fernando de Noronha é hoje o destino dos sonhos de muita gente. Mas não foi sempre assim. Descoberta em 1503 por Américo Vespúcio – sim, o mesmo dá nome ao nosso continente – na segunda Expedição Exploradora, o lugar chamado pelo navegador de paraíso desde o primeiro momento foi entregue no ano seguinte pela Coroa, como Capitania Herediária, ao fidaldo português Fernão de Loronha, financiador da missão. Loronha – com ‘l’ mesmo – e a família nunca pisaram lá. Não sabem eles o que perderam.

Ilha já foi chamada de Quaresma, São João, Pavônia, Isle Dauphine, Fora do Mundo... História de cada um é contada no Museu Noronhense, na Vila dos Remédios. Foto: Luiz Pessoa/NE10

Ilha já foi chamada de Quaresma, São João, Pavônia, Isle Dauphine, Fora do Mundo… História de cada um é contada no Museu Noronhense, na Vila dos Remédios. Foto: Luiz Pessoa/NE10

Séculos depois, o arquipélago recebeu invasores de diversas nacionalidades e presidiários, até ser transformada em destino turístico a partir de 1988, quando voltou a ser território pernambucano. A primeira vez em que fez parte do Estado foi em 1700, quando nada foi feito para ocupá-la.

Isso antecedeu a ocupação francesa, pela Companhia das Índias Orientais, por dois anos, entre 1734 e 1736. Apesar do curto período, esses foram os mais constantes visitantes da ilha, usando primeiro para o descanso das expedições. O pouco tempo também serviu para alertar Portugal sobre a importância de proteger Noronha, naquela época chamada Isle Dauphine, por causa dos golfinhos que lá estão até hoje.

Para defendê-la, a Coroa ergueu, em 1737, o maior sistema fortificado do País. Eram 10 fortes, sete no Mar de Dentro, dois no Mar de Fora e um deles numa ilha secundária, a de São José, que pode ser vista da Ponta da Air France – local que, aliás, ganhou esse nome por causa dos franceses, povo que, dois séculos depois, de invasor, passou a atuar na ilha em cooperação técnica através da telegrafia e da aviação. Atualmente, os visitantes convivem com o que sobrou dessa fortaleza.

Vespúcio chamou Noronha de "ilha maravilhosa" e é sua a expressão: "O paraíso é aqui". Foto: Luiz Pessoa/NE10

Vespúcio chamou Noronha de “ilha maravilhosa” e é sua a expressão: “O paraíso é aqui”. Foto: Luiz Pessoa/NE10

Antes disso tudo, porém, os holandeses já haviam permanecido na ilha por 25 anos, entre 1629 e 1654 – a ocupação acabou com a rendição deles em Pernambuco. Foram eles que fizeram experimentos agrícolas e construíram residências e armazéns na Vila dos Remédios, área até hoje mais urbanizada e que recebe passeios de quem quer conhecer a história de Noronha. Ao mesmo tempo, no século XVII, foi construído o vilarejo na Quixaba, ao lado da Praia da Cacimba do Padre.

Forte de São Pedro do Boldró é de onde muita gente assiste ao pôr do sol. Foto: Luiz Pessoa/NE10

Forte de São Pedro do Boldró é de onde muita gente assiste ao pôr do sol. Foto: Luiz Pessoa/NE10

Iniciada pelos holandeses, a Vila dos Remédios sofreu maior interferência na década de 1940, três séculos depois, com a super ocupação norte-americana na Segunda Guerra Mundial. Parte da estrutura antiga foi abandonada, surgindo, então, construções pré-moldadas. Os Estados Unidos construíram também nesse período uma base entre a Baía do Sueste e a Praia da Atalaia, além de uma pista de pouso. Calma, não houve luta em Noronha! Mas, de 1957 a 1965, os norte-americanos transformaram a ilha em um dos palcos da Guerra Fria, instalando lá o 11º posto de observação de mísseis teleguiados, na região do Boldró.

Italianos e ingleses já haviam passado por lá nesses séculos. Um deles foi ilustre. Na viagem que fez no navio Beagle, em 1832, Charles Darwin fez a segunda parada em Noronha, descrevendo detalhes no seu livro “Viagem de um naturalista ao redor do mundo”. Leia um pequeno trecho em que o cientista cita o Morro do Pico:

“Fernando de Noronha, 20 de fevereiro de 1832

O que há de mais notável em seu caráter é uma colina de forma cônica, elevando-se a cerca de trezentos e dez metros de altura e tendo o cume excessivamente encarpado, a lado do qual se projetava fora da base.”

Fortaleza dos Remédios é em ponto privilegiado, de onde boa parte da ilha pode ser vista. Foto: Luiz Pessoa/NE10

Fortaleza dos Remédios é em ponto privilegiado, de onde boa parte da ilha pode ser vista. Foto: Luiz Pessoa/NE10

PRESÍDIO – Quem também escreveu sobre a ilha (veja trecho abaixo) foi o ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes. O socialista estava no cargo quando Noronha voltou a ser território do Estado. Antes, porém, esteve lá quando era preso político. Arraes estava entre os 34 prisioneiros enviados após o golpe militar de 1964. Só foi visitado uma vez e deixou a ilha apenas para vir ao Recife para o casamento da sua filha mais velha, Ana Arraes – mãe do ex-governador Eduardo Campos (PSB) e ministra do Tribunal de Contas da União. Como o socialista estava preso, o casamento foi na capela da Base Aérea, no Recife, de onde ele retornou imediatamente para a ilha onde ficaria por mais oito meses.

Praia do Sancho pode ser vista do Forte de São João Baptista dos Dois Irmãos. Foto: Luiz Pessoa/NE10

Praia do Sancho pode ser vista do Forte de São João Baptista dos Dois Irmãos. Foto: Luiz Pessoa/NE10

“Recife, 4 de outubro de 1988

…Quis a história que fosse eu governador de Pernambuco que tem sob a sua responsabilidade a reincorporação deste pedaço do território pernambucano, apartado arbitrariamente pelo Estado Novo, em 1938. Sabam os noronhenses que conheci a ilha em circunstâncias traumáticas da vida nacional. Vou voltar ao arquipélago sob a égide de uma nova Constituição que traz esperanças à reconstituição democrática do País.”

A ilha já havia sido prisão para nomes como Gregório Bezerra e Carlos Marighella no fim da década de 1930. Para lá eram enviados indivíduos considerados “perigosos à ordem pública”, como integralistas, comunistas e aliancistas. Além deles, ciganos, inimigos da causa da Independência, membros da Revolução Farroupilha e da Revolução Praieira, capoeiristas, entre outros.

Parte da construção da Fortaleza dos Remédios continua lá "para contar a história". Foto: Luiz Pessoa/NE10

Parte da construção da Fortaleza dos Remédios continua lá “para contar a história”. Foto: Luiz Pessoa/NE10

Isso não é tão recente, pois a primeira vez em que Noronha serviu como presídio foi em 1737, quando era a Colônia Correcional, para abrigar, servindo como mão de obra, homens condenados a longas penas, entre ladrões, assassinos, moedeiros falsos e contrabandistas que eram levados de Pernambuco.

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