Socialismo à direita

Socialismo à direita - Eduardo Campos

UM DOS PRINCIPAIS SÍMBOLOS da esquerda no País e crítico ferrenho do governo Fernando Henrique Cardoso, Miguel Arraes talvez não pudesse imaginar que menos de uma década depois da sua morte, o PSB, guiado por familiares e herdeiros políticos em Pernambuco, fosse apoiar oficialmente um candidato do PSDB à Presidência da República. A aliança formal foi decidida no dia 8 de outubro de 2014, quando 21 dos 29 integrantes da Executiva do PSB decidiram marchar com Aécio Neves no segundo turno da disputa eleitoral, e foi resultado de um processo natural de desgaste da relação entre o PT os socialistas por causa do acirramento da disputa entre Dilma Rouseff e Marina Silva.

O rito de adesão do PSB a Aécio foi iniciado por um histórico adversário de Arraes, antes mesmo do início da votação do dia 5. Diante da possibilidade real apontada pelas pesquisas de Marina não ir para o segundo turno, o então senador Jarbas Vasconcelos preparou uma carta declarando imediato apoio a Aécio Neves. O objetivo era claro: influenciar uma parcela do PMDB e, se possível, o PSB a reforçar o palanque do candidato tucano logo no início do segundo turno, enfraquecendo a candidatura do PT.

Em entrevista na rádio Jornal, Jarbas cobrou apoio integral
de Paulo Câmara a Aécio. Foto: Blog de Jamildo.

A nota de Jarbas foi divulgada minutos depois da confirmação do segundo turno pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “Sem um pingo de hesitação, declaro meu apoio ao Aécio Neves e ao seu projeto para o Brasil”, dizia o texto. “Não podemos titubear e nem nos dividir. O candidato Aécio Neves demonstrou força e determinação para chegar ao segundo turno. Aécio representa a possibilidade real de virarmos a página de um ciclo que se esgotou”, defendia ainda.

No final da noite, foi a vez do governador João Lyra Neto responder ao cenário colocado com o apoio imediato ao candidato tucano. “A surpreendente ascensão de Aécio Neves nos últimos dias do processo eleitoral para a Presidência da República refletem o seu excelente desempenho nos debates eleitorais e o credenciam para representar as forças de oposição no segundo turno do pleito presidencial”, afirmou Lyra na mesma nota em que prometeu apresentar oficialmente a tese de adesão ao PSDB para a Executiva Nacional socialista.

No dia 6, ainda sob a ressaca da vitória, Paulo Câmara começou a reunir a ala pernambucana do partido para definir uma posição conjunta que já apontava para o apoio ao PSDB. O principal entrave era o fato de o PSB, até aquele momento, continuar sob a presidência interina do ex-ministro da Ciência e Tecnologia Roberto Amaral, amigo pessoal de Lula, que tinha clara preferência por Dilma. Mais uma vez, o papel da ex-primeira-dama Renata Campos foi fundamental para chancelar a adesão ao tucano.

No primeiro sábado depois do primeiro turno, Aécio veio ao Recife para agradecer o apoio recebido. No Clube Internacional lotado, João Campos leu uma carta da mãe que depositava no mineiro a função de dar seguimento aos ideais de Eduardo Campos no plano nacional. “Sei que não é a primeira vez que seu caminho cruza com o de Eduardo. (…) Sei que também eram diferentes, mas souberam se unir pelo bem do Brasil. Em vários momentos, quando era necessário, você e Eduardo sabiam sentar e dialogar, encontrar caminhos”, dizia o documento. Desde que se inspirou no choque de gestão realizado por Aécio em Minas, ao tomar posse, Eduardo Campos sempre manteve um canal de diálogo com o tucano.

Confira a leitura da carta de Renata Campos, pelo filho João, em comício de Aécio.

Renata declarou publicamente o seu apoio em uma gravação exibida no guia eleitoral do PSDB, em uma fala que representava aquilo o que Eduardo Campos diria, caso tivesse ficado de fora da eleição. “Aécio hoje representa não um partido, mas um conjunto de forças que se juntaram nesse segundo turno procurando dar esse salto e trilhar esse caminho da mudança que o Brasil pediu nas urnas”, disse, em rede nacional. Em Pernambuco, Paulo Câmara assumiu a coordenação da campanha tucana. O tradicional logotipo utilizado por Campos em sua trajetória política foi imediatamente replicado na campanha do PSDB. Os “amarelos” viraram “azuis”.

Visita de Aécio à família Campos. Foto: Orlando Brito/
PSDB.

Mas nem todo o PSB aderiu à campanha do PSDB. Nomes como o da ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina e da senadora baiana Lídice da Mata, tidas como medalhões do partido, preferiram apoiar Dilma. O mesmo fez o governador da Paraíba, Ricardo Coutinho, que enfrentou o tucano Cássio Cunha Lima no segundo turno. O caso mais emblemático foi o de Roberto Amaral, que ainda presidente nacional do partido divulgou uma nota dizendo que o grupo que apoiou Aécio traia a história dos fundadores do PSB. “Ao aliar-se à candidatura Aécio Neves, o PSB traiu a luta de Eduardo Campos”, escreveu no dia 11 de outubro.

“Qual o papel de um partido socialista no Brasil de hoje? Não será o de promover a conciliação com o capital em detrimento do trabalho”, questionava Amaral na ocasião. Eduardo Campos já havia conduzido o PSB para além do que seria o modelo de um partido de esquerda tradicional e o aproximado da posição social-democrata. Em outubro de 2013, logo após a aliança com Marina, o pernambucano foi questionado pela revista Época se era preciso haver capitalismo dentro do socialismo do PSB. “Sim”, respondeu de forma direta. E passou a listar propostas para o empresariado.




DOIS DIAS DEPOIS DE Roberto Amaral declarar oficialmente o apoio a Dilma, o pernambucano radicado em Brasília Carlos Siqueira foi eleito presidente nacional do PSB, num movimento que já estava em andamento desde a vitória de Paulo Câmara, único governador socialista eleito no primeiro turno. A eleição de Siqueira foi articulada em conjunto por Câmara, que ficou como vice, e pelo prefeito do Recife, Geraldo Julio, que assumiu a Secretaria Geral. Na hora em que o partido elegia a nova direção, o então presidente estava reunido com Dilma Rousseff.

Carlos Siqueira eleito presidente nacional do PSB.
Foto: Divulgação/PSB

Ao comentar o episódio, dias depois, o presidente do PSB de Pernambuco, Sileno Guedes, homem de confiança da família Campos, disse que as ações de Roberto Amaral mostravam que havia interferência externa nas decisões da legenda. “Agora a gente vê que tinha alguém a serviço disso. E esse alguém era ninguém mais, ninguém menos, que o presidente do partido”, cravou. No mesmo dia, Geraldo Julio declarou que Amaral estava “passando dos limites”.

Embalado pelo calor do segundo turno, não é de se estranhar que o PSB mantivesse um discurso duro de oposição ao PT. A nova Executiva socialista, porém, revelou dois aspectos curiosos sobre o futuro da legenda. O primeiro, que a eleição de Siqueira, cujo desentendimento com Marina havia ficado evidente, demonstrava que a continuidade da ex-senadora no partido havia deixado de ser prioridade após a derrota eleitoral. O segundo era a falta de um líder.

Desde que assumiu a presidência do PSB em 1993, Miguel Arraes exerceu o posto de liderança hegemônica da legenda que deixou de herança para o neto Eduardo Campos depois de morrer em 2005. A direção formada por Siqueira, Câmara, Geraldo, e também por João Lyra Neto e Fernando Bezerra Coelho, manteve a influência da ala pernambucana sobre o partido, mas sinalizou para uma condução mais colegiada de uma sigla sem protagonista na política nacional.

Com a derrota de Aécio, os diversos grupos do PSB tiveram que se entender sobre um eventual apoio a Dilma Rousseff ou aderir de vez a oposição e romper a imagem de ser uma terceira via nacional. Para tentar conciliar essas posições diferentes, o partido declarou-se independente no Congresso Nacional, resgatando o discurso lançado em setembro de 2013 quando Eduardo Campos deixou o governo Dilma. Para demonstrar coerência, o partido decidiu que nenhum filiado deve ocupar cargos no governo federal, mas, ao mesmo tempo, abriu o diálogo para apoiar projetos do Planalto sempre que considerar que eles são “bons para o País”.

Em abril, o comando do PSB chegou a abrir um debate sobre uma eventual fusão com o PPS, partido de oposição e tradicional aliado do PSDB. O gesto teve o apoio do vice-governador de São Paulo, Márcio França, nome cotado para a sucessão do governador Geraldo Alckmin (PSDB), e um dos nomes mais próximos ao tucanato no ninho socialista. O movimento, porém, enfrentava a resistência da ala pernambucana, que podia perder influência no comando da legenda. Depois de inúmeras conversas, a fusão foi oficialmente adiada. O episódio, por outro lado, reforçou o quanto a falta da liderança de Eduardo Campos é sentida no PSB.






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