FAZIA MENOS DE 17 horas que Eduardo Campos havia sido enterrado no Cemitério de Santo Amaro, quando a viúva Renata Campos adentrou, acompanhada dos filhos, no salão da Blue Angel Recepções, no Derby, área central do Recife. A área coberta de 2
mil metros quadrados estava apinhada de militantes do PSB que se espremiam para
ouvir o primeiro pronunciamento da ex-primeira-dama após o acidente aéreo do Cessna.
Renata não falaria à toa. Ela estava lá para dar o recado de que, após a morte do marido, era preciso empenho redobrado do partido para conseguir eleger o afilhado político Paulo Câmara, um neófito desconhecido do eleitorado. “Como participei a vida toda de campanhas, não será diferente nessa. Pelo contrário, tenho a sensação de que tenho que participar por dois”, discursou Renata para uma multidão histérica, que implorava para que ela aceitasse ser vice de Marina Silva.
O encontro daquela manhã havia sido marcado por Eduardo Campos, que esperava estar no Recife naquele dia 18 de agosto, aniversário de Renata. Desde que se mudara para São Paulo, logo após oficializar a candidatura à Presidência, o ex-governador fazia visitas periódicas a Pernambuco para ficar próximo da família. A mudança para São Paulo tinha objetivo estratégico na disputa presidencial, já que o estado é o maior colégio eleitoral do País – com 31,9 milhões de eleitores, concentra 22% dos votos. Além disso, Campos havia se instalado em um flat próximo ao Aeroporto de Congonhas, o que facilitava as viagens de campanha.
Paulo e Eduardo em campanha. Foto: Rodrigo Lôbo/JC Imagem.
Não raro, o ex-governador aproveitava a visita à família para realizar algum comício ou carreata ao lado de Paulo Câmara. O desempenho da campanha estadual era uma preocupação adicional para Eduardo, que não podia se dar ao luxo de ser derrotado em seu próprio estado. Em seu primeiro mês de campanha, concluído no dia 6 de agosto, Pernambuco foi o segundo estado mais visitado pelo socialista; onde ele havia estado cinco vezes. Era mais de um compromisso de campanha por semana, no território que deveria ser mais favorável à sua candidatura.
Depois da morte do ex-governador, o presidente do PSB de Pernambuco, Sileno Guedes, pensou em cancelar o evento da Blue Angel, mas foi desautorizado pela ex-primeira-dama. Era um momento de fragilidade para o grupo. Nome de origem técnica, sem articulação política, Paulo Câmara enfrentou fortes resistências com a morte do grande fiador de sua candidatura. “Pode parecer que o nosso maior guerreiro não está na luta, mas seus sonhos estarão sempre vivos em nós”, disse Renata naquela manhã. “Vim porque sei da vontade dele e da importância de eleger Paulo”, deixou claro a viúva.
Renata e os filhos no evento da Blue Angel. Foto: Edmar Melo/JC Imagem.
Renata encerrou o ato rememorando Eduardo Campos. “Fica tranquilo, Dudu, teremos a sua coragem para mudar o Brasil. Não desistiremos do Brasil. É aqui que cuidaremos dos nossos filhos”, garantiu a viúva, reproduzindo a fala dele no Jornal Nacional que virou um dos slogans da campanha do PSB. “Um beijo grande, minha gente”, concluiu em seguida, do modo como o marido sempre terminava seus discursos.
Ainda em êxtase pelo pronunciamento, a militância do PSB presenciou um momento curioso, quando um bolo de aniversário foi servido à ex-primeira-dama, enquanto todos cantavam “Parabéns para você”, apenas horas depois do velório em praça pública. Era nessa linha tênue que começava a engatinhar a forte guinada no cenário eleitoral pernambucano em 2014.
PAULO CÂMARA E EDUARDO Campos se conheceram em 1992, quando o neto de Arraes disputou a Prefeitura do Recife. Câmara tinha 20 anos, foi apresentado a Eduardo por um amigo em comum e acabou participando da campanha, que seria derrotada. Durante a disputa, porém, ele conheceria Ana Luiza, prima de Campos com quem se casaria em 1998. Eduardo e Renata foram padrinhos; assim como Arraes e Dona Magdalena. Quatro anos antes do casamento com Ana Luiza, Câmara também havia ajudado na elaboração do plano de governo da campanha de Miguel Arraes, em 1994.
Paulo como secretário da Fazenda. Foto: Guga Matos/ JC Imagem.
Formado em Economia pela Universidade Federal de Pernambuco e auditor do Tribunal de Contas do Estado, Paulo Câmara foi um dos quadros técnicos do TCE que Eduardo Campos levou para o secretariado ao assumir em 2007. Atuou primeiro como secretário de Administração, até que em 2010 houve o escândalo dos shows fantasmas na Empresa de Turismo de Pernambuco (Empetur), que levou o então secretário de Turismo Sílvio Costa Filho (PTB) a retomar o mandato na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). Câmara foi, então, escalado para minimizar os danos na pasta. Com a reeleição de Campos naquele ano, Paulo migra para a Secretaria da Fazenda em 2011, e passa a chefiar as finanças do Estado, na pasta por onde já haviam passado Arraes e o próprio Eduardo.
Em 2012, Geraldo Julio, até então um secretário jovem com perfil gerencial, foi o nome escolhido para concorrer à Prefeitura do Recife e venceu. No ano seguinte, Paulo Câmara se tornou coordenador do novo Fundo Estadual de Apoio aos Municípios (FEM), um recurso que é transferido aos prefeitos pelo Governo de Pernambuco para a realização de obras. Em outubro, ele se filiou ao PSB, na reta final do prazo para concorrer na disputa seguinte.
“FICO FELIZ QUE NESSA caminhada, tenha reunificado o campo da Frente Popular. Reencontrado com militantes políticos que nos ajudaram em outra etapas importantes da vida pública”, afirmou Eduardo Campos, no discurso em que lançou Paulo Câmara
como candidato, no dia 24 de fevereiro de 2014. “Todo mundo agora é olhando para a
frente, porque construímos uma força política enorme, que haverá de ter a bênção do
povo pernambucano”, disse o então presidenciável.
Havia construído mesmo. Ao registrar a candidatura meses depois, Paulo Câmara contaria com o apoio de 21 partidos na coligação Frente Popular de Pernambuco. Como o próprio PSB fez questão de dizer, essa era a maior aliança política da história do Estado. Ter a esmagadora maioria das forças políticas em Pernambuco ao seu lado era importante para o projeto presidencial de Eduardo.
Paulo Câmara e Eduardo Campos no lançamento de Paulo como candidato a Governador. Foto: Clemilson Campos/JC Imagem.
A Frente Popular unida por Eduardo Campos avançou lentamente após a sua reeleição com 82,84% em 2010. Entre 2011 e 2012, o governador se reaproximou do senador Jarbas Vasconcelos, adversário histórico de Arraes. O mote foi a oposição de Jarbas ao PT. Quando Campos lançou Geraldo Julio como candidato nas eleições municipais, o senador endossou o nome do socialista e conduziu o PMDB para a base do PSB. Jarbas Filho chegou a concorrer para vereador, mas não conseguiu votos suficientes para ser eleito.
No ano seguinte, foi a vez de atrair o PSDB, que liderava a oposição ao governo
de Eduardo na Assembleia Legislativa. O apoio dos tucanos foi costurado com o
deputado federal Sérgio Guerra, com aval do senador Aécio Neves. Para o PSDB
interessava o entendimento com Campos porque um eventual apoio do PSB poderia ser
decisivo num segundo turno contra Dilma Rousseff. De quebra, o governador
pernambucano tinha penetração no eleitorado do Nordeste, região onde o voto é
majoritariamente petista.
Em Pernambuco, como resultado do acordo, o PSDB ganhou cargos no primeiro escalão do Governo de Pernambuco. Na última reforma de secretariado feita por Campos no início de 2014, os tucanos Murilo Guerra e Caio Mello foram nomeados para a Secretaria Estadual do Trabalho e para o Departamento Estadual de Trânsito (Detran). “Esse negócio de dizer que o partido é oposição é coisa de babaca”, chegou a afirmar Guerra, dois meses antes de morrer em São Paulo, quando o tucano Daniel Coelho ainda era líder da bancada de oposição no Legislativo estadual.
Com menos peso no plano local, o PPS aderiu à Frente Popular como resultado do apoio nacional oferecido por Roberto Freire a Eduardo Campos. A aliança colocou o líder da oposição à gestão Geraldo Julio na Câmara do Recife, o vereador Raul Jungmann, como um dos integrantes da composição do plano de governo do presidenciável, por ser Diretor Geral da Fundação Astrojildo Pereira, braço do PPS responsável pela orientação programática do partido.
Do grupo de direita que fez oposição ao governo de Campos em Pernambuco, apenas o DEM do ex-adversário Mendonça Filho ainda não havia aderido até meados de 2014. Isolado, o partido acabou caminhando naturalmente para a aliança com o PSB porque a alternativa era compor com o senador Armando Monteiro Neto, que disputaria o Palácio do Campo das Princesas com apoio do PT, de quem o DEM é adversário no plano federal.
Somando-se os grupos políticos que já o apoiavam com os que foram sendo anexados na reta final da gestão, já de olho no Palácio do Planalto, Eduardo Campos reuniu na sua Frente Popular, alguns dos principais caciques políticos do Estado. A “nova política” apregoada na disputa nacional congregava, em Pernambuco, nomes como os de Severino Cavalcanti, Inocêncio Oliveira, Guilherme Uchoa, Jarbas Vasconcelos, Sérgio Guerra, Mendonça Filho, Cadoca e Luciano Bivar.
O CAIXÃO DE EDUARDO Campos sendo levado pelas ruas do Recife foi mostrado pelo PSB antes mesmo da primeira imagem do rosto de Paulo Câmara no vídeo que abriu o guia eleitoral da campanha socialista no dia 20 de agosto. Os dois primeiros minutos mostravam apenas imagens do velório e do enterro, acompanhadas por uma marchinha usada na campanha de 2006. Pelo menos 18 pessoas aparecem chorando neste trecho do vídeo.
Trecho do vídeo que mostra o caixão de Eduardo sendo levado para ser enterrado.
“Por tudo o que fez, Eduardo se tornou imortal, como o nosso Pernambuco”, afirmava Paulo Câmara, quando finalmente aparecia diante do vídeo, aos sete minutos, se apresentando como candidato da Frente Popular. “Eduardo é alguém que merece a nossa maior homenagem: manter vivo o seu sonho. Eu vou estar todos os dias a postos para continuar lutando a mesma luta, fortalecendo, ampliando tudo o que Eduardo conseguiu construir em Pernambuco”, prometia o postulante, associando o voto à homenagem dos pernambucanos ao falecido ex-governador.
No primeiro pronunciamento na TV ao povo de Pernambuco, Paulo Câmara se apresentou como amigo de Eduardo, e como alguém que esteve ao lado dele desde o início do governo. Em tom solene, disse estar disposto a honrar a história e o legado do ex-governador. “Ele, o líder guerreiro do nosso povo, será para sempre a maior fonte de inspiração de todos nós, que fizemos parte da história política e da história de vida dele”, ressaltou o candidato.
Depois da fala de Câmara, o guia eleitoral exibia mais dois minutos de imagens do trajeto do caixão, no caminho entre a Praça da República e o Cemitério de Santo Amaro; enquanto, ao fundo, uma gravação na voz do escritor Ariano Suassuna cantava Madeira do Rosarinho, um dos frevos tradicionais do Recife, que se tornou música símbolo das campanhas de Campos. O guia encerrava em silêncio, mostrando o nome e a legenda de Paulo Câmara, por cima de um fundo preto. Começava assim a fase de campanha na TV em Pernambuco.
Confira na íntegra o primeiro guia eleitoral de Paulo Câmara.
Nos programas do PSB, a imagem do ex-governador foi fartamente utilizada. Vídeos ou fotos de Eduardo Campos foram veiculadas em 9 dos 17 guias eleitorais exibidos pelo partido. Obras e programas do Governo do Estado apareceram em todos, com exceção do primeiro, que foi o da homenagem. Mesmo nos vídeos em que Campos não aparecia, ele era continuamente citado. “No governo de Eduardo e Paulo, Pernambuco olhou para si de um jeito diferente”, chegou a dizer a narradora no programa do dia 24 de setembro. Em duas ocasiões, o guia socialista comparou o candidato com o próprio Miguel Arraes. No programa destinado aos senadores, Fernando Bezerra Coelho chorou diante do vídeo.
Os casos mais chamativos de uso da imagem de Eduardo Campos aconteceram nos dias 25 e 27 de agosto, dias após a morte, quando o PSB exibiu gravações de conversas entre Paulo Câmara e o ex-governador sobre Saúde e Educação feitas no dia 10 para serem usadas na reta inicial do guia eleitoral. “Se não tiver o cuidado que você teve de implantar mecanismos de controle para o dinheiro render, o dinheiro não tinha dado, para fazer tudo isso o que nós fizemos”, diz Eduardo para o afilhado político.
Um mês depois, em 22 de setembro, a duas semanas das eleições, foi a vez de exibir um depoimento de Renata Campos, que também chorou ao lembrar do marido e pedir voto para Paulo Câmara. “Eu acho que ele aprendeu desde cedo porque ele começou desde muito novo a acompanhar Eduardo, do mesmo jeito que Eduardo acompanhou Arraes”, afirma a ex-primeira-dama, em um vídeo de quase três minutos e meio. O depoimento da ex-primeira-dama foi guardado como um trunfo para a reta final da disputa, quando os eleitores indecisos definem seus votos.
Renata Campos grava depoimento para o guia eleitoral de Paulo Câmara. Foto: reprodução/PSB
O candidato a governador contou, ainda, com a presença de Renata Campos e dos filhos em alguns dos comícios e caminhadas. O último guia eleitoral mostrou imagens da Frente Popular cantando Madeira do Rosarinho em um grande comício no Cais da Alfândega, no Bairro do Recife. Em um dado momento, a tela era dividida para exibir também cenas do último comício de Campos na campanha de 2006. A montagem de tom dramático terminava com Renata Campos segurando a bandeira de Pernambuco. O vídeo foi exibido no dia 1º de outubro, apenas 72 horas de o ex-secretário da Fazenda ser eleito governador.
“VAI SER MUITO DIFÍCIL governar sem estar com Eduardo ao lado”, confessou Paulo Câmara após o comício de encerramento da campanha, na Praça da Independência, no final da tarde do dia 2 de outubro. “Eu não tinha me preparado para governar Pernambuco sem ter Eduardo ao meu lado. E agora eu vou, mas vou fazer o que ele sempre queria que eu fizesse: substituísse ele. E fazer com que os compromissos do povo fossem honrados”, garantiu.
Três dias depois, o ex-secretário foi eleito para comandar Pernambuco, com mais de 3 milhões dos votos, ou 68,08% do eleitorado. “Hoje é dia de agradecer a Deus e a todo povo de Pernambuco por essa expressiva vitória”, afirmou Câmara no auditório do Recife Mar Hotel, em Boa Viagem. Sete meses antes, no mesmo espaço, sob um forte calor e a presença de diversos prefeitos e deputados, ele havia sido apresentado oficialmente por Campos como candidato ao Governo de Pernambuco. Num gesto de retribuição, entrou no local acompanhado por Renata Campos.
Momentos depois, todos se reuniam com a militância no Marco Zero, numa comemoração catártica, banhada a chuvas e lágrimas, onde Eduardo Campos foi lembrado a cada discurso. O mais emocionado deles foi o do filho, João Campos. “Não foi fácil segurar a onda até aqui”, admitiu o jovem, antes de cair no choro. “Estou aqui no lugar do meu pai, que hoje, a esta hora, estaria comemorando sua vitória à presidência”, disse.
O jovem foi consolado pela mãe, Renata, que naquele momento, passada a batalha eleitoral, se revestiu de uma aura quase mística diante dos fiéis eleitores do marido. Ainda em estado de êxtase, militantes do PSB se aglomeravam diante do palanque para tocar os pés da ex-primeira-dama, como se faz popularmente com a imagem sacra de Nossa Senhora, mãe de Jesus, ao se invocar um milagre.