Eduardo Campos - Um sonho interrompido
Marília Banholzer
No cemitério de Santo Amaro, área central do Recife, uma lápide de mármore com o nome Eduardo Henrique Accioly Campos, e as datas de seu nascimento e morte, parece gritar o que uma multidão custou a acreditar. O ex-governador de Pernambuco, eleito duas vezes, a última com mais de 80% dos votos válidos, foi sepultado na noite do domingo, 17 de agosto de 2014, quatro dias após o trágico acidente aéreo que matou ele e mais seis pessoas em Santos, litoral paulista. Milhares de pessoas se apertavam para tentar dar a último adeus e ver o político ser sepultado ao lado do avô, Miguel Arraes, um mito da história política do Estado.
No espaço reservado para familiares e amigos de Eduardo Campos, a viúva Renata Campos e seus quatro filhos mais velhos, Maria Eduarda, João, Pedro e José despediram-se do pai - o pequeno, de sete meses, Miguel não estava no cemitério.
Os cinco cantaram músicas em homenagem ao ex-governador, gritavam "Eduardo/ Guerreiro/ Do povo brasileiro", frase que se popularizou durante o velório de Campos, e demonstravam carinho o tempo todo. O jovem João, inclusive, puxou os gritos de 'Viva Eduardo', 'Viva Arraes', 'Viva Brasil' e 'Viva Pernambuco'. Ele e seu irmão, Pedro, chegaram ao cemitério usando chapéu de palha, em alusão à história política da família.
Um pouco mais afastada, a mãe de Eduardo Campos, Ana Arraes, parecia em choque. Abatida, ela não tirava os olhos no caixão com os restos mortais do filho, não interagia com as demais pessoas, não entrava no clima de despedida. Um dos raros momentos em que a mãe do candidato à presidência do Brasil se deixou levar pela emoção foi naquele em que um coro formado por centenas de vozes entoou o hino religioso "Segura na mão de Deus".
A segunda esposa de Arraes, Magdalena Arraes, e o irmão Eduardo, Antônio Campos, também se mantiveram um pouco mais distantes de viúva e seus filhos, porém não menos emocionados. O círculo mais próximo ao grupo familiar foi formado por políticos como Marina Silva, Geraldo Julio, Paulo Câmara, Fernando Bezerra Coelho, Raul Henry, Lêda Alves e o atual governador do Estado, João Lyra.
Do lado de fora, espremidos entre as grades de proteção, milhares de admiradores homenageavam o ex-governador com salvas de palmas. No entanto, foi esse mesmo público que deu um tom político ao evento, ao gritar "Fora Dilma" e exaltar Marina Silva.
O público só fez silêncio durante os 15 minutos de queima de fogos que anunciaram o sepultamento do homem que é visto por muitos como um líder, um político que fez a diferença durante seu governo e que queria mudar o País. Talvez por causa da dedicação ao cargo, o Hino Nacional tenha sido repetido tantas vezes durante seu velório e sepultamento.
Antes do enterro, a emoção tomou conta do Recife em vários momentos. Desde a saída do caixão com os restos mortais de Eduardo Campos da frente do Palácio do Campo das Princesa, no bairro de Santo Antônio, área central do Recife, até Santo Amaro, que o povo prestou homenagens ao ex-governador.
As ruas do Centro da capital pernambucana se tornaram um mar de gente que cantava desde músicas religiosas, passando por gritos de guerra, até os jingles das campanhas políticas de Eduardo Campos para o Governo do Estado, em 2010, e mais recentemente para presidente. O trecho "Pernambuco é meu amor e Eduardo é o meu governador" talvez tenha sido o mais repetido durante o caminho.
O caixão com o político foi transportado em carro aberto do Corpo de Bombeiros e rodeado pelos filhos e viúva que acenavam para a multidão que seguia o cortejo até o local do sepultamento. Varandas e fachadas dos prédios também estavam lotados para ver a despedida do pernambucano pai, filho, político e líder.
CHEGADA A PERNAMBUCO - O cortejo saiu por volta das 16h45 do Palácio do Governo do Estado, onde o velório aberto ao público teve início ainda de madrugada, com a chegada do cortejo que tomou as ruas da cidade. Durante as quase quinze horas de cerimônia fúnebre, Eduardo não esteve sozinho. Seu caixão estava ladeado por dois dos quatro assessores que também morreram no acidente da última quarta-feira (13), em Santos. Carlos Percol e Alexandre foram velados e fizeram parte da missa campal de corpo presente celebrada pela manhã e presidida pelo arcebispo de Olinda e Recife, Dom Fernando Saburido.
Entre os presentes, a presidente Dilma Rousseff - adversária política de Eduardo na campanha presidencial; o ex-presidente Lula; Marina Silva, vice na chapa de Eduardo; Aécio Neves entre outros políticos. Apenas Marina presenciou as manifestações de carinho vistas pela multidão, que cantou junto as músicas favoritas da família Campos, entoadas por artistas pernambucanos como Alceu Valença e Maciel Melo.
A chegada dos três corpos ocorreu na noite do sábado (16), junto com os das outras duas vítimas do acidente aéreo: o cinegrafista Marcelo Lyra e o assessor político Pedro Valadares. O primeiro foi levado para um velório mais íntimo, apenas com familiares e amigos, no cemitério Morada da Paz, em Paulista, e o segundo seguiu para as últimas homenagens em Aracaju, capital de Sergipe.
O caminho de Eduardo, Percol e Severo até o Palácio do Governo pernambucano foi acompanhado por centenas de pessoas que se espalhavam pelas calçadas das ruas de pelo menos dez bairros que compunham o caminho do cortejo.
A madrugada de Eduardo foi de vigília: houve comoção e aplausos, além do colorido das bandeiras do Brasil e de Pernambuco - Estado que sepultou, de uma vez por todas, e de maneira dolorosa, um de seus políticos mais emblemáticos.
Como dizia o meu avô (Miguel Arraes): na política, você encontra 90% dos políticos atrás de ser alguma coisa. Dificilmente eles sabem para que."Eduardo Campos (13/04/14 Coluna de Mônica Bérgamo)
A tragédia
Inês Calado
Do NE10
13 de agosto de 2014. 13 de agosto de 2005. Nove anos separam a morte de Miguel Arraes e Eduardo Campos. Avô e neto. Arraes viveu 89 anos. Eduardo, 49. Arraes foi um mito. Eduardo era o principal nome da política pernambucana da nova geração. Sua morte trágica o torna, definitivamente, um ícone nacional. "É um paradoxo. Fora de Pernambuco, quem nunca havia ouvido falar de Eduardo, ouviu hoje. A mídia mostrou para o Brasil a sua vida, desde a entrada na política até o momento do acidente", destaca o cientista político Túlio Velho Barreto.
O candidato do Partido Socialista Brasileiro (PSB) à Presidência, Eduardo Campos, morreu, nesta quarta-feira (13), em um acidente de avião por volta das 10h, em Santos (distante 72 km de São Paulo). A aeronave modelo Cessna 560XL, prefixo PR-AFA, saiu do Rio de Janeiro e tinha sete pessoas a bordo: além de Eduardo, o assessor de imprensa Carlos Augusto Leal Filho, o fotógrafo Alexandre Severo Gomes e Silva, o cinegrafista Marcelo Lyra, o ex-deputado federal Pedro Valadares Neto e os pilotos Geraldo Cunha e Marcos Martins.
Eduardo Campos foi duas vezes governador de Pernambuco. Nas eleições de 2006, rompeu a hegemonia política do então PFL (hoje DEM) no Estado, vencendo Mendonça Filho. Eleito para um segundo mandato em 2010, contra o ex-governador do PMDB Jarbas Vasconcelos, Campos conquistou a maior vitória da história da democracia brasileira, com mais de 80% dos votos válidos. Velhos caciques da política, como ele gostava de chamar seus opositores, ficaram de fora. Depois de anos entre trocas de poder, Marco Maciel, por exemplo, não foi reeleito senador.
Em 2012, ele deu início ao seu voo nacional. Eduardo rompeu com o PT na capital pernambucana, depois de doze anos de reinado do partido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Recife e conseguiu eleger seu afilhado político, Geraldo Julio. Naquele ano, as especulações em torno de sua candidatura à presidência cresceram.
"Eduardo deixa no Estado um vazio enorme. Ele era a maior liderança política de Pernambuco da nova geração. Nos últimos oito anos, ele e o PSB derrotaram todas as forças políticas que se mostraram competitivas, conseguindo derrotar, inclusive, o partido de Lula", afirmou o cientista político.
Nacionalmente, Eduardo era considerado uma das principais lideranças da nova geração. Seu desaparecimento precoce pode ser comparado, de certa forma, com a morte de Luís Eduardo Magalhães (filho do ex-governador da Bahia Antônio Carlos Magalhães), que representava, na época, a sobrevivência do PFL no Brasil.
"Muito novo, ele representava a única liderança política que teria condições de romper as fronteiras de Pernambuco e do Nordeste."
O futuro das eleições tanto em Pernambuco como no Brasil agora é incerto. Para Túlio, é impossível traçar o que irá acontecer até outubro. Bastante abalada, a vice na chapa presidencial do PSB, a ex-senadora Marina Silva declarou que nos últimos dez meses de convivência aprendeu a respeitá-lo, a admirá-lo e a confiar em suas atitudes e ideais de vida. "A imagem que eu quero guardar dele foi da nossa despedida de ontem, cheio de alegria, cheia de sonhos, de compromissos. É com esse espírito que eu peço a Deus que possa sustentar e consolar sua família e a todos nós”, pediu Marina.
Aliada por mais de dez anos e atual concorrente do ex-governador na corrida ao Palácio do Planalto, a presidente da República, Dilma Rousseff (PT), fez um pronunciamento exaltando as características políticas de Campos. Dilma decretou luto de três dias e cancelou sua agenda de campanha no mesmo período. “Hoje o Brasil está de luto e sentido com uma morte que tirou a vida de um jovem político promissor e esse fato entristeceu todos os brasileiros e brasileiras”, disse.
Eduardo esteve ao lado de Lula durante toda sua trajetória política. Foi ministro da Ciência e Tecnologia no primeiro mandato do petista e governou o Estado com o apoio do governo federal. Lula disse que estava profundamente entristecido com a morte do ex-governador “Nesse momento de dor, eu e Marisa nos solidarizamos com sua mãe, Ana Arraes, sua esposa, Renata, seus filhos e toda a sua família, amigos e companheiros”, disse em nota. “O País perde um homem público de rara e extraordinária qualidade. Tive a alegria de contar com sua inteligência e dedicação nos anos em que foi nosso ministro de Ciência e Tecnologia. Ao longo de toda sua vida, Eduardo lutou para tornar o Brasil um País mais justo e digno”, escreveu o petista.
De acordo com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o PSB tem dez dias para indicar o novo candidato a presidente. Mas não estamos falando apenas dessas eleições. A saída precoce de cena de Eduardo Campos interrompe projeções que vão além das urnas do dia 5 de outubro.
Vamos unir o povo brasileiro e vamos vencer. E, mais que vencer, temos que garantir que o povo vença!"Eduardo Campos (15 de março de 2014)
Rota do acidente
No dia em que os filhos do pobre e do rico, do político e do cidadão, do empresário e do trabalhador, estudarem na mesma escola... nesse dia o Brasil será o País que queremos."Eduardo Campos (Sobre desigualdade e educação - Via Facebook)
A vida
Quando você precisa correr do debate, apostar no desânimo e disseminar o medo é porque alguma coisa está errada."Eduardo Campos (19/04/14 em entrevista)
Últimos registros no Instagram
Quem luta pelas causas que nós lutamos, quem sonha pelo País que nós sonhamos, está animado com que nós estamos fazendo."Eduardo Campos (28/03/14 Sobre sua campanha)
Repercussão
O que está em debate em 2014 não é um projeto de poder por quatro anos, mas sim o que queremos para o Brasil nos próximos dez, vinte anos."Eduardo Campos (Sobre a campanha em 2014)