Quem ocupa a calçada

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Conde da Boa Vista, Recife

Quando se fala em calçadas vêm em mente fotos daquele formigueiro humano, com gente para lá e para cá, sempre em movimento. Porém, ao contrário do que sugere o termo 'passeio', há quem use esse espaço para trabalhar, para morar ou até para estacionar. Para os recifenses, um caso emblemático é o da Avenida Conde da Boa Vista, na área central da cidade.

Lá, os ambulantes dominam as calçadas principalmente desde o cruzamento com a Rua da Soledade até a Rua Sete de Setembro. De tudo pode ser encontrado: comida, chips de celular, capinhas, bijuterias, óculos de sol, roupas... só falta uma coisa: espaço para os pedestres, como reclama a costureira Vânia Barbosa, 49 anos. "Não tem como passar e, se descer, o carro passa por cima. E aí?!", questiona. "Eu sei que todo mundo tem que trabalhar, mas ocupando a calçada fica difícil. Deveriam fazer um camelódromo para eles."

Francisco Cunha

O projeto da Prefeitura do Recife para os ambulantes da Avenida Conde da Boa Vista prevê justamente a instalação dos trabalhadores em espaços desapropriados pela administração municipal, que estão em construção para serem centros comerciais nas ruas do Riachuelo, Sete de Setembro, Saudade, Cais de Santa Rita e do Giriquiti. A obra, no entanto, não tem prazo e já foi alvo de diversos protestos dos próprios comerciantes informais. Provisoriamente, 141 dos mais de 200 foram cadastrados para continuar na Boa Vista, desde que não preparem alimentos e seus equipamentos tenham medidas de um metro quadrado.

Mas e quando não é gente que ocupa a calçada, e sim carro? Aí é infração grave, segundo o Código de Trânsito Brasileiro, com multa de R$ 127,69. Mesmo assim, só de janeiro a junho deste ano, mais de 7 mil multas foram aplicadas no Recife por estacionamento no passeio.

Janeiro a junho de 2015

Fonte: Detran-PE

A desculpa é a mesma quase sempre: é só um pouquinho. No caso do Mercado de Boa Viagem, na Zona Sul, o diálogo durante a entrevista foi:

- Você é da CTTU?
- Não, mas por que a senhora está parando aqui?
- Porque não vou comprar, só vim buscar uma coisa.

A motorista entrou no mercado e continuei conversando com a técnica de enfermagem Iolanda Nunes, 41, moradora do bairro há 30 anos. "Sempre foi assim aqui. Os piores dias são sexta-feira e sábado pela manhã, nem tem espaço para andar. Não tem diálogo com eles, só consigo xingar", reclama.

Carro na calçada

Nem todos os motoristas que estacionam na calçada da Avenida Conselheiro Aguiar, no entanto, são assim. Um deles, flagrado no Edifício Holiday, reconhece a falha. "Sei que estou completamente errado e já fui multado uma vez, não tenho nem o que falar", admite.

A Companhia de Trânsito e Transporte Urbano (CTTU) tem uma operação diária para coibir estacionamento irregular em Boa Viagem, no Pina e na área central. O órgão municipal afirma ter registrado 13.078 multas até agosto deste ano - número que não corresponde ao do Detran-PE. Entretanto, a Iolanda isso não parece ter muito efeito. "Nunca vi nada por aqui, e passo sempre", destaca.

RECIFENSES - Sentado em frente à Capela Dourada, na Rua do Imperador, no Centro, Rivaldo Lima, 46, acompanha com os olhos milhares de pés diferentes para um lado e para o outro. Desempregado e sem documentos, a cada um que passa, estende o pote de queijo do reino que usa para pedir dinheiro. A sua casa é aquela calçada há mais de 20 anos, quando deixou a casa onde morava com o pai, a madrasta e o irmão. Não aguentou tantas brigas e agora tem que se abrigar sob um papelão quando chove e encarar o medo que as pessoas têm quando o veem ali, ocupando o espaço público - isso quando não é o preconceito. "Cada um aqui vive por si, com risco ou não."

Morador de rua na calçada

A violência não atinge só quem mora na calçada. O crescente número de assaltos acabou com um hábito tradicional nos subúrbios, o de sentar nas calçadas com os vizinhos no fim de tarde e ficar olhando as crianças brincando. Segundo a Secretaria de Defesa Social, foram 53.498 crimes contra o patrimônio (assalto, furto, extorsão, entre outros) só até agosto deste ano. Em todo o ano passado, foram 63.392 ocorrências, um aumento de 19,9% em relação a 2013.

A aposentada Edna Oliveira, 58, vive em Areias, na Zona Oeste, desde criança. "Meus pais já faziam isso quando eu era criança e fiz isso com meus filhos. Agora meus netos não terão mais", lamenta. O carro de Edna foi levado da porta de casa e, há dois anos, ela não tem mais o hábito de ficar na calçada. "Isso atrapalha o relacionamento humano e favorece ainda mais a violência."​

O que você faria?

O número de clientes da sua lanchonete cresceu, mas não há mais espaço para aumentá-la. Você construiria na calçada?