Rock Lima recicla materiais em Noronha e transforma em arte

Rock Lima em seu ateliê, na Ponta da Air France. Foto: Luiz Pessoa/NE10Rock Lima em seu ateliê, na Ponta da Air France. Foto: Luiz Pessoa/NE10

Inspirado na vista do Morro do Pico na janela do seu ateliê, na Ponta da Air France, o artista plástico recifense Rock Lima, 50 anos, metade deles vividos em Fernando de Noronha, desconstrói objetos encontrados no lixo para transformá-los em arte. Assim, retira a sucata da ilha, contribuindo para manter como um paraíso o lugar onde escolheu viver.

Ateliê tem vista para o Morro do Pico e para ilhas secundárias. Foto: Luiz Pessoa/NE10

Ateliê tem vista para o Morro do Pico e para ilhas secundárias. Foto: Luiz Pessoa/NE10

Inicialmente, há dez anos, começou a trabalhar com materiais retirados do lixo por causa da dificuldade para consegui-los importando do continente. “Noventa porcento dos trabalhos eram com reciclados. Antes era por necessidade e agora é por prazer”, justifica. “As pessoas me consideram uma referência de arte na ilha.”

Rock pega placas de sinalização, canecas de porcelana e todos os tipos de material que lhe forem doados ou encontrados na usina de resíduos sólidos, como chama o lixão. Mas prefere trabalhar com ferro. “Você aquece e fica mole, consegue até torcer, se sente o próprio Huck”, brinca. Em seguida, Rock dá a gargalhada pela qual é conhecido pelos moradores da ilha, solta até nas reuniões do Conselho Distrital.

Todas as peças são transportadas para o ateliê na moto do artista, que tem o sonho de fazer uma exposição de miniaturas de veículos Harley Davidson. Até lá, elabora as suas peças que retratam o cotidiano. Uma delas é a coruja Elizabeth, uma referência à rainha por ter um chapéu semelhante ao dela.

Rock gosta de trabalhar sob encomenda e, principalmente, pressão. “A melhor maneira é com emoção”, afirma. Foi assim que criou uma das últimas obras. Rock pegou placas de indicação da Vila dos Remédios, que seriam usandas para fazer um quadro em ferro. O artista havia feito o desenho com o Morro Dois Irmãos, mas ainda estava em dúvida se usaria a imagem do cartão postal da ilha, alegando que já era muito explorado. Isso até receber, no ateliê, a visita de uma cliente, que era coordenadora de uma campanha de combate ao câncer. “Quando a mulher viu, começou a chorar, teve a certeza de que seria essa a marca. Ela saiu às 9h e a peça já estava pronta ao meio-dia. Deixei o golfinho da placa, inverti e fiz os Dois Irmãos, para remeter aos seios”, conta.

Pelas mãos de Rock, placa se transformou em campanha de prevenção ao câncer de mama. Foto: Luiz Pessoa/NE10

Pelas mãos de Rock, placa se transformou em campanha de prevenção ao câncer de mama. Foto: Luiz Pessoa/NE10

As peças são vendidas a turistas e pousadas e restaurantes da ilha, como a Beco de Noronha. Mesmo sendo artista profissional há uma década, ficou mais conhecido no ano passado, quando o surfista e apresentador Pedro Scooby apresentou as suas obras em um programa de televisão. Como costumava vender os trabalhos muito baratas se os compradores alegassem não ter dinheiro, precisa apresentar as propostas à esposa, a chef Ana Jabur, antes de fechar negócio. “Fui proibido de trabalhar com preço.”

Rock é aficionado por motos, principalmente as de modelos dos anos 1960. Foto: Luiz Pessoa/NE10

Rock é aficionado por motos, principalmente as de modelos dos anos 1960. Foto: Luiz Pessoa/NE10

Morador da Vila do Trinta, onde a esposa tem um restaurante, Rock usa como ateliê o Espaço Cultural Air France, espaço pertencente à Associação dos Artesões de Pernambuco e usado só por ele há dez anos. Por isso, bagunçado pelos materiais que ele leva. “Como vou trabalhar com sucata arrumadinho? Gosto de ter essas informações todas, aprendi a conviver e trabalho bem dessa maneira”, explica.

Foi justamente assim e em Noronha que Rock começou a desenvolver o lado artístico. Criado em Brasília Teimosa, comunidade da Zona Sul do Recife onde a principal diversão é aproveitar a praia, fazia apenas miniaturas de guitarras de madeira. A primeira vez foi quando era adolescente, passou por uma loja de instrumentos musicais com a namorada e não tinha dinheiro para comprar uma peça da qual a namorada gostou. Resolveu o problema fazendo o presente.

Antes Sérgio Roberto de Lima – o Rock virou sobrenome e entrou nos documentos este ano -, chegou do Recife para trabalhar em um supermercado na ilha.

Bagunça é parte do ambiente de trabalho de Rock. Foto: Luiz Pessoa/NE10

Bagunça é parte do ambiente de trabalho de Rock. Foto: Luiz Pessoa/NE10

Era 1990, quando havia três voos semanais, de 6, 8 e 12 lugares. Ainda chamado Sérgio Rock, por causa das músicas que ouvia, desembarcou num domingo com ar de turista e acompanhado de sete gaúchos. Estava com euforonha, o sentimento de alegria extrema que muita gente afirma sentir durante a viagem. “Eu gostaria que todas as pessoas, quando forem receber uma notícia triste, ficassem nesse estado”, diz.

“Já tinha Sérgio, Sérgio do barco e Serginho. ‘Vamos eliminar esse sérgio’, disseram. ‘Agora, às vezes até me desconheço como Sérgio”, diz. Desde a ilha Rata até a Sapata, os dois extremos da ilha, todos os moradores também. “Uma vez uma menina escreveu uma carta, que voltou. Quando fui aos Correios, descobri o problema: veio para Sérgio.”

Rock deixou o emprego três anos depois. Achava que trabalhava muito e não conseguia aproveitar a ilha. Começou a trabalhar como instrutor de mergulho livre. “O ser humano tem que trabalhar e curtir o que faz, conseguir usufruir o que tem de melhor. Preciso me divertir com o meu trabalho”, afirma.

Hoje em dia, Rock faz como muitos ilhéus: tem múltiplas tarefas. À noite, é garçom no restaurante comandado pela esposa, o Mesa da Ana. Lá, resgata histórias e lendas de Noronha, além do hábito antigo de receber os turistas em casa. Enquanto serve as mesas, o artista revela os personagens da ilha e seus causos com o bom humor de sempre – e a gargalhada.

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Gostosinho do munguzá: quando o grito é a alma do negócio

Gostosinho chama atenção pelo grito e pelos objetos no carrinho. Foto: Luiz Pessoa/NE10Gostosinho chama atenção pelo grito e pelos objetos no carrinho. Foto: Luiz Pessoa/NE10

Todo mundo quer um munguzá que limpa a pele, queima 500 calorias e mantém a forma. Nada disso é comprovado cientificamente, mas são promessas fundamentais para o vendedor da receita, conhecido em Fernando de Noronha como Gostosinho, conquistar tantos clientes em diversos pontos da ilha. E não para por aí: “Minha salada de frutas tem 21 frutas, 20 bananas e uma laranja”, brinca, mostrando que a propaganda é mesmo a alma do negócio.

Ele já foi José Carlos de Barros e tem 41 anos. Mas o nome ficou exatos 20 anos atrás, quando chegou à ilha saindo do Recife para trabalhar como faxineiro em uma pousada. “Ganhava um salário e me ofereceram dois aqui. Aceitei”, conta. José Carlos é de Nazaré da Mata, na Zona da Mata Norte de Pernambuco, e trabalhou lá, quase escravizado nos canaviais, dos 8 aos 21 anos.

Hoje em dia, a rotina de Gostosinho é intensa, mas prazerosa. Acorda cedo e às 6h já está com a esposa, Cinthia Osório, 29, fazendo o munguzá. A comida é feita até as 13h30. Ele sai na moto meia hora depois para vender e volta às 20h para casa, na Vila do Trinta, reencontrando a mulher, que está grávida de um menino que ganhará o nome do pai.

Os dois se conheceram há 10 anos, na pousada onde trabalhavam e já têm uma filha de dois anos. Como quase todo morador de Noronha, que tem mais de uma fonte de renda, Gostosinho começou a sair com um carro de mão para vender o munguzá feito por ela. “Com uma semana comprei meu próprio carrinho. Com um ano, minha motinha. Hoje sou Micro Empreendedor Individual”, diz, orgulhoso.

Cinco anos atrás, ele ganhou o título de residente de Fernando de Noronha, a ilha onde encontrou tranquilidade. Com o lucro do munguzá, comprou uma casa e um carro na capital, mas frisa que só quer voltar para o continente quando se aposentar. “E só porque não vou conseguir carregar a barraca quando estiver mais velho”, diz.

PROPAGANDA – Mas nem sempre as estratégias de venda fizeram tanto sucesso. “Saía gritando ‘munguzá!!!’ pelo meio da rua, no gogó, mas ninguém comprava. Só resolvi o problema quando comecei a gritar ‘gostosinho’ e fazer cena. Dizia: ‘Calma, pessoal, vamos organizar a fila’, mesmo sem ninguém. Assim juntava gente”, revela.

Para chamar atenção, até o veículo usado nas vendas foi reformado. A moto branca ganhou um cavalo de brinquedo no banco de trás, que faz companhia aos outros bichos que ficam colados no capacete de gostosinho, como tubarão, aranhas, tartaruga e golfinho. No bagageiro, onde os produtos ficam expostos, ficam as fotos com famosos. “Suzana Vieira esteve aqui e comeu tapioca de coco, ainda pediu que eu levasse seis na pousada onde ela estava. Luciano Huck e Angélica comeram munguzá”, conta. Gostosinho aparece no clipe da música ‘Alto Reverso’ da banda O Rappa.

Para encontrá-lo é só seguir a voz no megafone. Duas dicas: ele costuma estar no aeroporto à tarde, nos horários de chegada e saída de voos, ou no por do sol do Forte do Boldró, onde os passeios turísticos costumam terminar. E aí é só desembolsar R$ 5 para testar as funções embelezadoras do munguzá ou descobrir as 21 frutas da salada ou ainda testar a empada de frango, o café e a tapioca só com queijo ou de coco e queijo. Quem garante é “o gostosinho, a delícia móvel”, como diz um dos seus bordões.

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Filho de Cachorrão, Cachorrinho é! Conheça essas figuras de Noronha

Cachorrão e Cachorrinho afirmam que o Dog Móvel é inclusivo. Foto: Luiz Pessoa/NE10Cachorrão e Cachorrinho afirmam que o Dog Móvel é inclusivo. Foto: Luiz Pessoa/NE10

Au, au, au! Estranho começar um texto assim? Não se for sobre a vida de Manoel Cachorrão, guia turístico de Fernando de Noronha conhecido devido ao seu estilo um tanto peculiar:  de moicano vermelho e coleira no pescoço, características adotadas há 23 anos. Isso além de falar, desde então, o “cachorrês”, em que o “oi” é “au”, interjeição que significa outros cumprimentos também. “Eu falo três idiomas: brasileiro, mímica e latindo”.

Recifense, Manoel chegou ao arquipélago pela primeira vez em 1987 como funcionário do Ministério da Agricultura. Um ano depois se fixou em Noronha. Mas atuar na área de recursos humanos do escritório em meio ao paraíso o cansou. Ele queria aproveitar. “Trabalhava com pessoas que se lamentavam da vida. Aqui não, todo mundo vem feliz da vida. Participamos de lua de mel, aniversário, casamento, é um trabalho como se fosse uma diversão”, diz.

Ao deixar o emprego, passou a viver em uma ruína na Praia do Cachorro. Por isso, ganhou o apelido “Mané do Cachorro”. Não gostava e criou o próprio codinome, usado por todos até hoje. “Tenho 55 anos. De ilha, 27. De cachorro, 23”, conta. E Manoel tornou-se oficialmente Cachorrão há oito anos, quando incluiu o nome nos documentos.

A ruína na Praia do Cachorro virou lar. E o canil, como o próprio chama a família, é formado por ele, Dona Loba, e dois filhos: Cachorrinho, de 32 anos, e outro de 26 anos que às vezes é chamado de Xolinho – embora a contragosto.

O filho mais velho, cujo nome de batismo é Jefferson Galdino, seguiu os passos do pai, tornando-se guia turístico, além de ser professor de capoeira e de surf e instrutor de mergulho. “Meu dia é paz, amor e saúde. Trabalho fazendo o que eu gosto e com simplicidade. Noronha é um dos poucos lugares do mundo onde você consegue definir que menos com menos dá mais, e ao quadrado. Não preciso de muito, só da minha sunga, minha nadadeira, minha máscara, estar tranquilo,  alimentado e cercado de boas pessoas”, afirma.

Mas nem sempre foi assim. “Na escola, a professora fazia a chamada como Cachorrinho. Eu detestava”, revela. Jefferson mudou de opinião ao perceber a importância do personagem criado pelo pai, inicialmente só para chamar atenção, para o turismo local. “Para mim e para muita gente, ele criou o passeio mais feito hoje em dia, o Ilha Tour”, defende.

Assim como o pai gosta de olhar o mar da janela de casa, é na água que está o lugar preferido de Cachorrinho em Noronha. “Passa tranquilidade, paz, é de onde tiro meu sustento e me dá alegria. Talvez tenha a ver com o meu signo, de Peixes”, afirma.

Pai e filho também têm em comum o veículo, o terceiro Dog Móvel da vida dos dois. Na verdade, tem suspensão de carro e formato de bugue e é mais resistente que os outros. Cachorrão enfatiza que, além disso, é mais inclusivo, pois, por ficar na altura das calçadas, permite a idosos e pessoas com mobilidade reduzida subir de forma mais fácil. “Tenho a responsabilidade de trabalhar com a matéria-prima mais bonita do Brasil: vender Fernando de Noronha e mostrar essas belezas”, conta, orgulhoso.

No momento da entrevista, Cachorrão estava trabalhando; havia deixado turistas na Praia do Leão, seu lugar favorito em Noronha, e foi “verificar se estava tudo tranquilo no canil”. Depois de mais de 20 anos como “cachorro guia”, ele agora quer também abrir uma pousada no terreno em frente à Praça Flamboyant que pertence a Cachorrinho. “Enquanto o dinheiro não vem, vamos plantando milho para comer no São João”, diz. Au!

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