Inspirado na vista do Morro do Pico na janela do seu ateliê, na Ponta da Air France, o artista plástico recifense Rock Lima, 50 anos, metade deles vividos em Fernando de Noronha, desconstrói objetos encontrados no lixo para transformá-los em arte. Assim, retira a sucata da ilha, contribuindo para manter como um paraíso o lugar onde escolheu viver.
Inicialmente, há dez anos, começou a trabalhar com materiais retirados do lixo por causa da dificuldade para consegui-los importando do continente. “Noventa porcento dos trabalhos eram com reciclados. Antes era por necessidade e agora é por prazer”, justifica. “As pessoas me consideram uma referência de arte na ilha.”
Rock pega placas de sinalização, canecas de porcelana e todos os tipos de material que lhe forem doados ou encontrados na usina de resíduos sólidos, como chama o lixão. Mas prefere trabalhar com ferro. “Você aquece e fica mole, consegue até torcer, se sente o próprio Huck”, brinca. Em seguida, Rock dá a gargalhada pela qual é conhecido pelos moradores da ilha, solta até nas reuniões do Conselho Distrital.
Todas as peças são transportadas para o ateliê na moto do artista, que tem o sonho de fazer uma exposição de miniaturas de veículos Harley Davidson. Até lá, elabora as suas peças que retratam o cotidiano. Uma delas é a coruja Elizabeth, uma referência à rainha por ter um chapéu semelhante ao dela.
Rock gosta de trabalhar sob encomenda e, principalmente, pressão. “A melhor maneira é com emoção”, afirma. Foi assim que criou uma das últimas obras. Rock pegou placas de indicação da Vila dos Remédios, que seriam usandas para fazer um quadro em ferro. O artista havia feito o desenho com o Morro Dois Irmãos, mas ainda estava em dúvida se usaria a imagem do cartão postal da ilha, alegando que já era muito explorado. Isso até receber, no ateliê, a visita de uma cliente, que era coordenadora de uma campanha de combate ao câncer. “Quando a mulher viu, começou a chorar, teve a certeza de que seria essa a marca. Ela saiu às 9h e a peça já estava pronta ao meio-dia. Deixei o golfinho da placa, inverti e fiz os Dois Irmãos, para remeter aos seios”, conta.
As peças são vendidas a turistas e pousadas e restaurantes da ilha, como a Beco de Noronha. Mesmo sendo artista profissional há uma década, ficou mais conhecido no ano passado, quando o surfista e apresentador Pedro Scooby apresentou as suas obras em um programa de televisão. Como costumava vender os trabalhos muito baratas se os compradores alegassem não ter dinheiro, precisa apresentar as propostas à esposa, a chef Ana Jabur, antes de fechar negócio. “Fui proibido de trabalhar com preço.”
Morador da Vila do Trinta, onde a esposa tem um restaurante, Rock usa como ateliê o Espaço Cultural Air France, espaço pertencente à Associação dos Artesões de Pernambuco e usado só por ele há dez anos. Por isso, bagunçado pelos materiais que ele leva. “Como vou trabalhar com sucata arrumadinho? Gosto de ter essas informações todas, aprendi a conviver e trabalho bem dessa maneira”, explica.
Foi justamente assim e em Noronha que Rock começou a desenvolver o lado artístico. Criado em Brasília Teimosa, comunidade da Zona Sul do Recife onde a principal diversão é aproveitar a praia, fazia apenas miniaturas de guitarras de madeira. A primeira vez foi quando era adolescente, passou por uma loja de instrumentos musicais com a namorada e não tinha dinheiro para comprar uma peça da qual a namorada gostou. Resolveu o problema fazendo o presente.
Antes Sérgio Roberto de Lima – o Rock virou sobrenome e entrou nos documentos este ano -, chegou do Recife para trabalhar em um supermercado na ilha.
Era 1990, quando havia três voos semanais, de 6, 8 e 12 lugares. Ainda chamado Sérgio Rock, por causa das músicas que ouvia, desembarcou num domingo com ar de turista e acompanhado de sete gaúchos. Estava com euforonha, o sentimento de alegria extrema que muita gente afirma sentir durante a viagem. “Eu gostaria que todas as pessoas, quando forem receber uma notícia triste, ficassem nesse estado”, diz.
“Já tinha Sérgio, Sérgio do barco e Serginho. ‘Vamos eliminar esse sérgio’, disseram. ‘Agora, às vezes até me desconheço como Sérgio”, diz. Desde a ilha Rata até a Sapata, os dois extremos da ilha, todos os moradores também. “Uma vez uma menina escreveu uma carta, que voltou. Quando fui aos Correios, descobri o problema: veio para Sérgio.”
Rock deixou o emprego três anos depois. Achava que trabalhava muito e não conseguia aproveitar a ilha. Começou a trabalhar como instrutor de mergulho livre. “O ser humano tem que trabalhar e curtir o que faz, conseguir usufruir o que tem de melhor. Preciso me divertir com o meu trabalho”, afirma.
Hoje em dia, Rock faz como muitos ilhéus: tem múltiplas tarefas. À noite, é garçom no restaurante comandado pela esposa, o Mesa da Ana. Lá, resgata histórias e lendas de Noronha, além do hábito antigo de receber os turistas em casa. Enquanto serve as mesas, o artista revela os personagens da ilha e seus causos com o bom humor de sempre – e a gargalhada.