Nelson Falcão Rodrigues nasceu no Recife, em 23 de agosto. É o quinto dos 14 filhos de Maria Esther e Mário Rodrigues. A família morava na Rua Doutor João Ramos (antiga Capunga, hoje Graças). Na época, a política da cidade era marcada por dois grupos: o do conselheiro Rosa e Silva com o político Estácio Coimbra e o do governador Emídio Dantas Barreto, do qual Mário fazia parte. Tal rivalidade está ligada a uma mudança na vida dos Rodrigues.
Manuel Borba rompe a aliança com Dantas Barreto e se candidata ao governo de Pernambuco. Diretor do Jornal da República, Mário também enfrenta opositores e, no fim do ano, vai para o Rio de Janeiro, deixando no Recife a família e o cargo de deputado. A ideia era que a mulher e os filhos fossem ao encontro dele quando Mário tivesse um emprego. Os contatos dele na Capital Federal eram Olegário e José Mariano Filho. Eles conheciam Edmundo Bittencourt, dono do Correio da Manhã, no qual Mário Rodrigues (foto) queria trabalhar.
Com a vitória de Manuel Borba, Mário retorna ao Recife. Mas sente-se traído por Dantas Barreto ter se aliado a Estácio Coimbra e volta para o Rio de Janeiro. Desta vez, Maria Esther vende joias e móveis e vai ao encontro dele antes do previsto. Ao descer do vapor junto aos seis filhos, e com o sétimo na barriga, ela encontra o marido desempregado. A família (foto) fica hospedada na casa de Olegário e Maria Clara, em Botafogo, até que Mário reconquista o emprego no Correio da Manhã e os Rodrigues se mudam para a Aldeia Campista, na casa nº 135 da Rua Alegre (que na década de 1940 mudou de nome para Almirante João Cândido Brasil). Já nesta época, Nelson entra em contato com o universo que no futuro apareceria na obra dele.
Nelson vai para a escola Prudente de Morais, onde depois seria um dos vencedores de um concurso de redação: "O outro garoto escreveu sobre um rajá que passeava montado num elefante e eu escrevi a história de um adultério que terminou com o marido esfaqueando a adúltera. Creio que a professora dividiu o prêmio com o outro garoto como concessão à moral vigente, porque ela ficou apavorada, em pânico, com a violência da minha 'A vida como ela é...'", afirmou o autor anos depois (depoimento publicado no livro Nelson Rodrigues por ele mesmo, de Sônia Rodrigues, Editora Nova Fronteira).
Mário funda o jornal A manhã, com o sócio Antônio Faustino Porto. É nele que Nelson começa a trabalhar como repórter policial. "Aos 14 anos, escrevi um artigo chamado 'A tragédia de Pedra', que foi uma estreia literária formidável, foi um sucesso, todo mundo achou que eu era o tal, um garotinho pequenininho, cabeçudo. Saiu na primeira coluna e eu fiquei deslumbrado comigo mesmo", recordaria Nelson (em outro trecho de Nelson Rodrigues por ele mesmo).
Mário lança o jornal Crítica, no qual os filhos Milton, Mário Filho, Nelson e Joffre apuram as notícias e Roberto faz ilustrações. Por causa de um texto com a suspeita de que ela traíra o marido, de quem estava se separando, a escritora Sylvia Seraphim (foto) vai até a redação. Na ausência de Mário, ela é atendida por Roberto e lhe dá um tiro. O assassinato marca a vida dos Rodrigues e a obra de Nelson..
Angustiado com a morte do filho, Mário exagera na bebida. Ele tem uma trombose cerebral e falece em 15 de março. Milton e Mário Filho assumem o Crítica, fechado pela polícia meses depois (com a vitória de Getúlio Vargas na Revolução de 30). Os Rodrigues passam por dificuldades financeiras até 1935.
Nelson descobre que está com tuberculose. Ele ficou internado de abril de 1934 até 1935 no Sanatorinho Popular, em Campos do Jordão (SP). Nos anos seguintes, Nelson teria algumas recaídas da doença, que o acompanhou por 15 anos.
Mário Filho havia se tornado sócio do Jornal dos Sports, no qual Nelson fazia contribuições sobre futebol - ele escreveu para diversos veículos a partir daí, como o Correio da Manhã, O Jornal, Última Hora, Manchete Esportiva e Jornal do Brasil. No dia 16 de dezembro, Joffre (foto) morre vítima da tuberculose miliar, aos 21 anos.
Nelson se casa com Elza Bretanha (foto). Eles foram até o juiz no dia 29 de abril, escondidos da mãe da noiva, dona Concetta, depois comemoraram com uma média na leiteira Palmira e voltaram ao trabalho em O Globo Juvenil (ela era secretária de Henrique Tavares, gerente da publicação). O casamento religioso só aconteceu em 17 de maio, já com permissão de dona Concetta. Neste mesmo ano, Nelson perdeu 30% da visão de cada olho e Elza engravidou. Joffre nasceu em 1941. O casal teve outro filho, Nelsinho, em 1945.
Nelson escreve a primeira peça dele, A mulher sem pecado, em que o ciumento Olegário pensa que está sendo traído pela esposa Lídia. Em dezembro, o Grupo Comédia Brasileira estreia uma montagem do texto no Teatro Carlos Gomes (Rio de Janeiro). "Em se tratando de estrutura, nessa primeira peça é possível visualizar uma tentativa de aproximação das peças que eram produzidas na época, as comédias de costumes. (...) No entanto, embora se baseie numa estrutura tradicional de teatro, vê-se que a peça assume contornos antes não realizados no nosso teatro, especialmente no que tange aos dramas. (...) A mulher sem pecado é uma peça que possui praticamente todas as características do teatro rodriguiano em estado latente", afirma a pesquisadora Elen de Medeiros.
O Theatro Municipal do Rio de Janeiro torna-se palco para o surgimento do teatro brasileiro moderno: a montagem de Vestido de noiva, com Ziembinsky e o Grupo Os Comediantes. "A superposição de planos na narrativa (memória,realidade e devaneio) fundamenta a escrita dessa peça de 1943, portanto, com uma sofisticação de linguagem que encontra eco nos tempos ditos pós-modernos de hoje, de desconstrução, a era do 'samplear' da qual Nelson já dava notícias cerca de 70 anos atrás", afirma o jornalista Valmir Santos.
Suzana Flag entra em cena. Com este pseudônimo, Nelson escreve Meu destino é pecar, publicado como folhetim de 38 capítulos n'O Jornal (e lançado como livro no mesmo ano). Como Suzana, ele também assina Escravas do amor, outro sucesso. Em 1946, Suzana ressurge em Minha vida, "autobiografia" da personagem.
A peça Dorotéia é encenada com direção de Ziembinski e com a irmã de Nelson, Dulce, no elenco. Estreia o filme Somos dois, com direção de Milton Rodrigues. Nelson fez os diálogos do longa-metragem.
Nelson escreve a peça Valsa nº 6, que estrou no ano seguinte, com Dulce Rodrigues. Foi em 1951 que Samuel Wainer decidiu fazer o jornal Última Hora, no qual muitos dos irmãos Rodrigues trabalhariam (incluindo as mulheres) e no qual Nelson publicaria A vida como ela é...
Estreia no Theatro Municipal (Rio de Janeiro) o espetáculo A falecida, com o texto que que Nelson escrevera no mesmo ano. Na tragédia carioca, Zulmira pensa que o marido a traiu com prima dela, Glorinha. Ela planeja a própria morte, querendo causar inveja nas outras mulheres da cidade, e manda o marido ao encontro de um homem, trazendo revelações à tona. José Maria Monteiro dirigiu o espetáculo.
Senhora dos Afogados estreia no mesmo ano em que é escrita por Nelson. A peça é dirigida por Bibi Ferreira e, entre as atrizes do elenco, está Nathalia Timberg. Quando a apresentação terminou, o público se dividiu entre aplausos para Bibi e vaias para Nelson. Sobre a presença do trágico e do cômico na obra dramatúrgica de Nelson, a pesquisadora Elen de Medeiros exemplifica: "Em vários momentos, há o processo de construção de uma personagem à imagem do herói trágico, superior. No entanto, essa imagem é apenas aparente, frágil, e é corrompida à medida que essa personagem é colocada frente aos seus opositores, desvelando especialmente a máscara social com a qual ela se transforma. Misael, de Senhora dos afogados, e Jonas, de Álbum de família, são exemplares desse processo de que falo. São figuras patriarcais, que chegam à cena como grandes senhores e dominadores dos poderes da família. Construídos à luz do herói trágico, superior, eles são enfraquecidos pouco a pouco, deixando antever nesse processo de desvelamento da verdadeira face, corrupta, manipuladora, destrutiva".
Nelson Rodrigues estreia como ator no papel de Tio Raul, um dos personagens que cria na peça Perdoa-me por me traíres. Raul descobre que a adolescente que ele criou, Glorinha, tem uma vida oculta em um prostíbulo. O Theatro Municipal do Rio de Janeiro sediou a estreia do espetáculo dirigido por Léo Jusi.
As quatro filhas mais velhas de seu Noronha se prostituem e buscam preservar a caçula Silene, símbolo de castidade para toda a família. Só que ela aparece grávida, desencadeando uma série de revelações na família. Tudo isto acontece em Os sete gatinhos, uma "divina comédia em quatro quadros", que estreia no Teatro Carlos Gomes (Rio de Janeiro), com direção de Willy Keller, no mesmo ano em que foi escrita por Nelson Rodrigues.
O universo da reportagem policial aparece em outra obra de Nelson Rodrigues. Na peça Boca de Ouro, repórteres apuram a história de um famoso e temido bicheiro, pelo que conta a ex-amante, Dona Guigui, após a morte dele. O texto escrito pelo dramaturgo em 1959 chega ao palco no ano seguinte, com direção de Ziembinski, no Teatro Federação (atual Teatro Cacilda Becker, em São Paulo).
O Teatro Ginástico, no Rio de Janeiro, recebe a estreia de O beijo no asfalto. Os personagens criados por Nelson são interpretados por atores como Fernanda Montenegro, Sérgio Britto, Ítalo Rossi e Mário Lago. "Além de Vestido de noiva, outra peça que também teve um relativo sucesso foi O beijo no asfalto, quando montado pelo Teatro dos Sete em 1961, com Fernanda Montenegro no papel de Selminha, Fernando Torres na direção e outros grandes nomes do teatro brasileiro. Essa peça ficou sete meses em cartaz. Além dela, e apesar do insucesso de crítica, Perdoa-me por me traíres também ficou alguns meses em cartaz em 1957, simbolizando um sucesso de público", resume Elen de Medeiros.
Estreia a peça Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas ordinária, escrita por Nelson no mesmo ano. O espetáculo em três atos conta a história de Edgard, que é apaixonado pela vizinha, mas se casa com a filha de um milionário. Uma famosa frase atribuída ao jornalista e escritor Otto Lara Resende ("O mineiro só é solidário no câncer") guia os personagens da trama. Esta montagem do espetáculo foi dirigida por Martim Gonçalves e a apresentação aconteceu no Teatro da Maison de France (Rio de Janeiro). Nelson Pereira dos Santos dirige Boca de ouro, filme baseado na peça homônima de 1950. O ator Jece Valadão interpretou o famoso bicheiro de Madureira.
Nelson se separou de Elza e foi viver com Lúcia Cruz Lima, que esperava um filho seu (os dois passariam oito anos juntos, depois ele começaria a se relacionar com Helena Maria, Heleninha, 35 anos a menos que Nelson). Daniela nasceu prematura, com problemas respiratórios e de circulação. Por causa de uma paralisia cerebral, a menina não andaria, falaria ou enxergaria. Estreia o filme Bonitinha, mas ordinária. O longa é dirigido por Billy Davis (pseudônimo de J.P de Carvalho) e Joffre é um dos produtores. Foi visto por 2 milhões de espectadores. Primeira telenovela escrita por um autor brasileiro, A morta sem espelho (da qual participou fernanda montenegro, na foto ao lado de nelson) foi encomendada a Nelson Rodrigues para recuperar a audiência da TV Rio (também foi exibida em São Paulo, pela TV Record). No mesmo ano, Nelson escreve a novela Pouco amor não é amor, também exibida pelas duas emissoras, só que utilizando o pseudônimo Verônica Blake.
Nelson Rodrigues escreve a peça Toda nudez será castigada. Nesta "obsessão em três atos", um viúvo conservador chamado Herculano é convencido pelo irmão a conhecer a prostituta Geni, por quem ele se apaixona. Ziembinski dirige a montagem do texto com o Teatro Brasileiro de Comédia (SP), que estreia no Rio de Janeiro. "O público vaiava acintosamente, e, conta Ruy Castro, um vereador da época, Wilson Leite Passos, sacou um revólver no meio do teatro. Houve uma enorme querela nos jornais da época, que acusavam o dramaturgo de ser oportunista e sensacionalista. Tudo foi criticado nessa peça. E, em resposta, ele escreveu Viúva, porém honesta, no mesmo ano, que coloca como crítico teatral um fugitivo do SAM (Serviço de Assistência aos Menores)", lembra Elen de Medeiros. Estreia A falecida, dirigido por Leon Hirszman. Baseado na peça homônima de 1954 e com a atriz Fernanda Montenegro no elenco, O LONGA recebe o prêmio especial do júri no 1º Festival Internacional do Filme do Rio de Janeiro. No mesmo ano, participa do Festival de Veneza como hors-concours. Mas o filme não teve o mesmo reconhecimento nas bilheterias, fazendo com que Elza e Nelson vendessem seus imóveis.
O grupo Teatro Jovem do Rio encena Álbum de família (1945). "As peças que se seguiram à estreia de Vestido de noiva foram sintomáticas em relação à rejeição do público e da crítica: Álbum de família, Anjo negro e Senhora dos afogados eram totalmente estranhas para o público e nossa crítica não estava educada para receber textos que lidam com o nível de morbidez e misticismo que elas trazem. Além delas, todas elas censuradas na época (Senhora dos afogados ficou mais de 20 anos censurada), Toda nudez será castigada, em 1957, teve uma recepção de ojeriza ao texto e à encenação", destaca Elen de Medeiros. Nelson foi procurado por Maria Lúcia, filha de Yolanda, mulher com quem ele teve um caso nos anos 1950. Nelson admitia que o garoto Paulo César fosse seu filho, e pagava pensão para ele, mas não tinha certeza sobre Maria Lúcia e Sônia. Nos anos 1990, a justiça reconheceu que os três eram filhos de Nelson, baseada em exames de DNA. A fase que vai de 1967 a 1973, mais ou menos, é considerada pelo escritor e professor Luís Augusto Fischer como o período de ouro da produção de crônicas de Nelson Rodrigues. "Ele comenta o auge da rebeldia dos anos 60, a Copa de 70, tudo que naquele momento – tão ruim para a política brasileira, auge da ditadura militar – estava rolando de decisivo ele abordou".
Nelson passa mal com duas úlceras e é levado ao hospital. Foram encontradas complicações no esôfago, pâncreas, pulmões e coração. Dois dias depois, ele foi operado, mas fumou um dia depois da cirurgia e teve broncopneumonia, uma parada respiratória e um enfarte. Depois disso seria acompanhado por enfermeiras em casa.
Nelsinho, conhecido como Prancha, é preso no Méier por sua atuação como opositor do regime militar. Nelson tentou localizar o filho acionando seus contatos entre os militares, algo que já tinha feito por outras pessoas. Ao encontrar Nelsinho soube que ele estava sendo torturado.
Mais uma obra de Nelson Rodrigues chega ao cinema, desta vez com roteiro e direção de Arnaldo Jabor. Baseado na peça homônima de 1965, o longa-metragem Toda nudez será castigada ganha o Urso de Prata no Festival de Berlim e no mesmo ano também é premiado no primeiro Festival de Gramado.
A peça Anti-Nelson Rodrigues marca a volta dele ao teatro. Estreia no mesmo ano com direção de Paulo César Pereio. A saúde de Nelson vai se complicando. Em julho, foi encontrado um aneurisma na aorta abdominal e ele teve que ser operado duas vezes. Em 1977, ele retornaria para Elza.
Baseado em uma crônica de A vida como ela é..., estreia o filme A dama do lotação. Nelson Rodrigues e o diretor Neville D'Almeida assinam o roteiro da produção estrelada pela atriz Sônia Braga. Ela faz o papel de Solange, que é casada com Carlos (Nuno Leal Maia) e seduz homens nos ônibus.
O espetáculo A serpente estreia em março no Teatro do BNH (atual Teatro Nelson Rodrigues, no Rio de Janeiro), com direção de Marcos Flaksman. No dia 21 de dezembro, Nelson morre após dez dias internado (ele teve trombose e paradas cardíaca, respiratória e circulatória). Milhares de pessoas foram acompanhar o velório na capelinha do Cemitério São João Batista, onde o enterro aconteceu no dia seguinte (foto do túmulo). "O maior legado de Nelson é a consciência de que o autor brasileiro pode dizer a que veio, forjar seu próprio alicerce a partir das especificidades do seu lugar, de sua época. A profícua criação desse autor reflete uma disciplina para com a arte, uma perseverança que este século 21 deveria replicar com mais veemência, nos conformes desses dias de hipertexto. São raros os dramaturgos que estão na lida e assim se permitem. Nelson nos convence de que no princípio era a linguagem, não o verbo", afirma o jornalista Valmir Santos.