Seja biólogo por uma noite em Noronha

Estrutura do Tamar em Noronha é museu aberto. Na foto, o coordenador do projeto na ilha, Rafael Robles. Foto: Luiz Pessoa/NE10Estrutura do Tamar em Noronha é museu aberto. Na foto, o coordenador do projeto na ilha, Rafael Robles. Foto: Luiz Pessoa/NE10

Quem, quando criança, nunca brincou de salvar os animais? Em Fernando de Noronha, é possível tornar desejo em realidade, pelo menos por uma noite. É o propósito do monitoramento da desova de tartarugas feito pelo Projeto Tamar na Praia do Leão de dezembro a junho, o período de reprodução desses animais. A atividade é gratuita.

Tartarugas verdes usam a ilha para se reproduzir. Foto: Projeto Tamar

Tartarugas verdes usam a ilha para se reproduzir. Foto: Projeto Tamar/Divulgação

Sem luz para não atrapalhar as mamães tartarugas na missão de colocar os ovos, a chegada à praia é às 20h. A partir de então, o monitoramento é feito de hora em hora. Os animais têm o casco medido e são marcados, assim como os ninhos, que recebem uma numeração. Com esse dado, é possível fazer o acompanhamento até o nascimento dos filhotes e a corrida deles até o mar. O público pode participar ainda da contagem desses pequenos bichos.

O passeio é feito todas as segundas e quintas-feiras. Para participar, os turistas devem ir ao Centro de Visitantes do projeto, que fica na Alameda do Boldró e funciona diariamente das 9h às 22h. Os telefones para contato são (81) 3619.1174, 3619.1577 e 3619.1269. São quatro vagas por noite.

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O coordenador da base do Tamar em Fernando de Noronha, Rafael Robles, explica que as atividades de pesquisa do projeto foram adaptadas ao ecoturismo, com o objetivo de incentivar a ideia de “conhecer para preservar”. “Quanto mais perto dos animais, mais sensibilizadas as pessoas ficam”, defende.

O projeto foi criado há 35 anos – e está em Noronha há 30, atualmente funcionando com 25 funcionários, sendo cinco técnicos que vão a campo. Tudo começou no fim da década de 1970, quando um grupo de cinco estudantes gaúchos de oceanografia esteve no Atol das Rocas, um ilha oceânica no Rio Grande do Norte, para colher material para o museu da universidade. Lá, ouviram o barulho de pescadores matando tartarugas que estavam se reproduzindo. “Isso contrariava o que haviam aprendido na faculdade, que o Brasil não tinha desova de tartarugas”, conta o coordenador na ilha.

Projeto Tamar está em Noronha há 360 anos. Foto: Projeto Tamar

Projeto Tamar está em Noronha há 360 anos. Foto: Divulgação

Os estudantes, então, convenceram os pescadores locais a não agir contra os animais e fizeram o registro oficial da desova para denunciar o fato. “O País fazia parte de acordos de proteção dos oceanos, o que contribuiu para pressionar o governo a fazer um projeto de proteção das tartarugas, que são animais migratórios”, diz. Então o grupo foi chamado para percorrer a costa e fazer um levantamento de 1980 a 1982. Era o início do Tamar.

Inicialmente, foram três bases: Pirambu Pirambu (SE), onde vive a espécie oliva; Praia do Forte (BA), com registros da cabeçuda e da pente; e Regência (ES), local da tartaruga de couro. Faltava apenas proteger a tartaruga verde, encontrada em Noronha. “Foi um negócio de estudantes que salvou as tartarugas”, afirma Robles. Trinta e cinco anos depois, são 25 bases.

Segundo dados do próprio projeto, eram 29 ninhos de tartarugas na ilha na década de 1980, número que aumentou para 159 na década de 2000. “É um trabalho a longo prazo. Teoricamente a primeira tartaruga que (os fundadores) colocaram ao mar está se reproduzindo agora. Para as tartarugas, 30 anos não é nada”, justifica o coordenador. O Tamar é financiado por patrocínio e pelas vendas de produtos produzidos por comunidades costeiras nas lojas instaladas em pontos turísticos, como a que existe em Noronha.

Criado há 19 anos, o ciclo de palestras ambientais do projeto leva pesquisadores para o Centro de Visitantes toda noite, a partir das 20h, após a exibição de filmes, para falar sobre temas que fazem parte da ecologia na ilha. Veja a programação semanal:

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DURANTE O DIA – Há ainda a captura intencional de tartarugas todas as segundas e quintas-feiras. Mergulhando por apneia, os biólogos pegam os animais para medir o casco, coletar o sangue, pesá-los e verificar o estado de saúde deles. “Esse trabalho é feito com o objetivo de conhecer a rota migratória, a média de tartarugas, a taxa de crescimento delas”, explica Rafael Robles. O local e o horário da atividade dependem da maré, mas é possível se informar no Centro de Visitantes. Nos últimos 30 anos, foram estudadas mais de 4 mil tartarugas verdes diferentes, além de 2,5 mil da espécie pente.

Os turistas que gostam de acordar cedo têm ainda, durante o dia, palestra do projeto Golfinho Rotador sobre esses animais, no Mirante dos Golfinhos, às 7h ou com a chegada de grupos grandes. Na atividade, descobrem detalhes sobre a vida dos bichos, que costumam chegar a Noronha pela manhã para se reproduzir e cuidar dos filhotes, enquanto à noite vão para alto mar para se alimentar. A dica é chegar por volta das 6h30. O projeto também empresta binóculos para a observação dos animais e distribui folders sobre o comportamento deles.

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Do semiárido, mocós fizeram de Noronha a própria casa

Mocós formam tocas nas pedras, onde vivem em grupos familiares. Foto: Luiz Pessoa/NE10Mocós formam tocas nas pedras, onde vivem em grupos familiares. Foto: Luiz Pessoa/NE10

Pequenos roedores de pelo em tons de cinza e marrom encantam muitos visitantes que têm a oportunidade de vê-los pelas encostas rochosas de Fernando de Noronha. Eles são os mocós, mamíferos introduzidos na ilha na década de 1960, trazidos do semiárido nordestino.

De pelo em tons de marrom e cinza, mocós se camuflam entre as rochas. Foto: Luiz Pessoa/NE10

De pelo em tons de marrom e cinza, mocós se camuflam entre as rochas. Foto: Luiz Pessoa/NE10

Esses animais, de nome científico Kerodon rupestris, são mamíferos com grandes dentes frontais que saltam e escalam muito bem. Como os coelhos, têm rabo curto. A semelhança com os ratos está nas orelhas, pequenas e arredondadas. A alimentação é baseada em frutos e raízes.

Os mocós têm reprodução ao longo de todo o ano, com pico nos meses de verão, de menos chuva. Após o cruzamento entre macho e fêmea, ela engravida e, 30 dias depois, nascem de quatro a oito filhotes. Com um mês e meio de idade, os pequenos animais já podem se alimentar sozinhos, caminhar e têm o corpo todo coberto de pelos. Aos cinco meses, estão sexualmente ativos.

As mães já são férteis logo após o nascimento dos bebês. Isso fez com que a população desses fofos mamíferos aumentasse a ponto de transformá-los em uma praga biológica na ilha – ou seja, são tantos indivíduos que não há mais equilíbrio na cadeia alimentar.

De acordo com a bióloga Maria de Lourdes Alves, da Administração de Fernando de Noronha, há pesquisadores estudando formas de reduzir o número de habitantes, já que o problema afeta o ecossistema, as formações rochosas e as fortificações históricas da ilha, desgastadas pelos roedores. Mas a especialista ressalta que os próprios animais fazem o controle natural. “Quando população fica muito grande, os machos adultos comem os filhotes, fazem canibalismo”, explica.

Mocós conseguem se reproduzir a cada 30 dias, em média. Foto: Luiz Pessoa/NE10

Mocós conseguem se reproduzir a cada 30 dias, em média. Foto: Luiz Pessoa/NE10

Os mocós vivem em pequenas famílias e fazem suas tocas principalmente nas encostas do Mar de Dentro, como a que há na Praia do Sancho e na Baía dos Porcos. É para lá que correm na presença de humanos, por se sentirem ameaçados. Porém, não há perigos para os visitantes. “Eles não atacam, são muito amistosos”, afirma a bióloga.

Esses mamíferos foram levados para Noronha com o objetivo de ser caçados pelos militares que moravam na ilha para a alimentação. Com a criação da área de preservação ambiental, em 1988, passou a ser proibido matar todos os animais selvagens, incluindo os mocós.

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