"Marinando"

Marinando - Eduardo Campos

COUBE À FAMÍLIA DE Eduardo Campos um papel decisivo nas eleições presidenciais de 2014, ao lançar Marina Silva como candidata à Presidência da República. Afora a perda pessoal, inerente a qualquer morte, o falecimento do ex-governador deixou um vácuo político de imediato. O PSB ficou, de uma hora para a outra, sem candidato ao Palácio do Planalto às vésperas do início do guia eleitoral, a fase mais decisiva da campanha.

Marina Silva era, de longe, o nome mais competitivo filiado à legenda e, portanto, a sucessora natural na campanha presidencial. Mas pesava contra a ex-senadora o fato de ela não ser um quadro do PSB. Quando entrou no partido, dez meses antes, Marina tinha uma série de objetivos: fortalecer Eduardo Campos como uma terceira via; influenciar nas eleições de 2014; atrapalhar a vitória dos grupos a quem ela atribuía a não criação da Rede. Nenhum dos objetivos, porém, incluíam ficar no PSB para além do período eleitoral.

Uma das coisas que Marina deixou claro foi que seu ingresso no ninho socialista era uma “filiação democrática”. Apesar de não ser formalizada, a existência da Rede seria reconhecida pelo PSB. O grupo da ex-senadora teria abrigo dentro do partido de Eduardo para concorrer na próxima disputa eleitoral e, depois, retomaria a coleta de assinaturas necessárias para serem submetidas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Marina na convenção estadual do PSB em Pernambuco.
Foto: Reprodução facebook.

Essa incompatibilidade entre Marina e o PSB se expressou claramente na formação dos palanques estaduais nos principais colégios eleitorais do País, que enfrentaram forte resistência da Rede. A posição dos “marineiros” havia deixado arestas, que eram diretamente contornadas por Campos. Sem ele para apaziguar os ânimos, elas voltaram a ganhar intensidade.

Outro complicador era que, ao longo dos anos, Eduardo Campos havia exercido uma liderança bastante centralizadora dentro do PSB; postura herdada, diga-se de passagem, do avô Miguel Arraes. Articulador habilidoso, ele era capaz de congregar os diversos grupos de interesse dentro da legenda em torno de si próprio. Há no partido uma ala mais ligada ao petismo, representada na figura do vice-presidente Roberto Amaral, também ex-ministro de Lula; do mesmo modo como havia um grupo mais alinhado ao PSDB, cujo principal expoente era Márcio França, presidente do PSB de São Paulo e eleito vice do governador tucano Geraldo Alckmin. Com a morte do pernambucano, que atuava como mediador, a correlação de forças ficou desequilibrada dentro da legenda.

O primeiro movimento em defesa do nome de Marina partiu de Antônio Campos, que divulgou uma carta lançando a candidatura dela um dia após o acidente aéreo. “Como filiado ao PSB, membro do Diretório Nacional com direito a voto, neto mais velho vivo de Miguel Arraes, presidente do Instituto Miguel Arraes – IMA e único irmão de Eduardo, que sempre o acompanhou em sua trajetória, externo a minha posição pessoal que Marina Silva deve encabeçar a chapa presidencial da coligação Unidos Pelo Brasil liderada pelo PSB”, dizia o texto. “Tenho convicção que essa seria a vontade de Eduardo”, afirmava ainda a nota.

O apoio decisivo, porém, partiria da viúva Renata Campos, apontada por todos como guardiã do legado de Eduardo; papel que ela chamou para si. A ex-primeira-dama sempre atuou nos bastidores e, de acordo com pessoas próximas, era conselheira fundamental do marido. Após a morte do ex-governador, impulsionada por um respeito cerimonioso, Renata passou a ter a voz mais respeitada no PSB. E ela havia desenvolvido uma afinidade especial por Marina durante o período em que durou a aliança política da ex-senadora com Eduardo Campos. Ambas conheceram, inclusive, os filhos uma da outra.

Renata e Marina em campanha no Recife. Foto: PSB.

A importância política de Renata para o PSB naquele momento era tão central que durante o enterro do ex-governador, no Recife, a multidão pedia que ela assumisse a vaga de vice na chapa presidencial. Sua principal credencial era ter sido esposa de um político importante no cenário nacional e pertencer à mesma família que comandou o partido nos 21 anos anteriores. O PSB foi presidido por Miguel Arraes de 1993 até a sua morte em 2005, quando passou a ser chefiado por Eduardo também até a morte, como numa capitania hereditária. Só que a herança era um partido político de porte nacional.

Isso explica porque, por mais que tenha sido um gesto simbólico, o então presidente interino do PSB, Roberto Amaral, chegou a propor a Renata que aceitasse o papel de vice. A conversa ocorreu no Recife, no dia 19, quando as resistências ao nome de Marina já haviam sedimentado. “Ela declinou do convite, emocionada. Principalmente com os apelos que ela recebeu nas ruas da população, das pessoas pobres, que estavam chorando, acompanhando o féretro. Ela agradece as manifestações de apreço, mas no momento a prioridade dela é cuidar da família”, explicou o presidente. Um dia depois da visita de Amaral à Renata, a Executiva Nacional do PSB homologou a chapa presidencial com Marina e o ex-deputado federal gaúcho Beto Albuquerque de vice.

O PRIMEIRO ATO DA campanha presidencial de Marina foi realizado simbolicamente no Recife, no dia 23 de agosto. A nova presidenciável realizou uma caminhada seguida de um breve comício no bairro de Casa Amarela, na Zona Norte da capital, acompanhada da linha de frente do PSB pernambucano, os mais próximos aliados de Eduardo Campos. Fazia um sol forte e para subir toda a ladeira que dava acesso à comunidade, Marina deu sinais de um cansaço físico que faria diferença na reta final da campanha, quando a disputa ficou mais acirrada. Em regulares intervalos de 10 minutos, assessores da campanha lhe passavam garrafas de água geladas na temperatura ideal para não afetar sua saúde. Enquanto vivia em um seringal do Acre, Marina teve malária cinco vezes, contraiu hepatite e leishmaniose e chegou a ser contaminada por mercúrio, chumbo e ferro.

Marina Silva em seu primeiro ato de campanha no Recife. Foto: Rodrigo Lôbo/PSB

Naquele dia, menos de uma semana após o sepultamento do ex-presidenciável, Marina foi questionada por um repórter sobre a propriedade do jatinho Cessna utilizado pelo PSB até a morte de Campos. Ela não chegou a responder. Antes que pudesse demonstrar qualquer sinal além do claro desconforto com o questionamento, o jornalista foi vaiado pela multidão de dezenas de militantes que se aglomeravam em frente ao palanque. “Petista!”, gritavam alguns dos presentes. Em Pernambuco, àquela altura, várias pichações com a frase “O PT matou Eduardo” podiam ser lidas em muros na capital e no interior.

Em meio aos ânimos acirrados da campanha eleitoral, parecia ganhar força a tese de que a queda do avião pudesse ser resultado de um atentado político. “Nós queremos saber, e ainda não foi explicado, como esse avião caiu e matou o nosso líder. Isso para nós é muito importante. Queremos justiça!”, bradou, em resposta aos militantes, o deputado federal gaúcho Beto Albuquerque, que falava com a autoridade de ser líder do PSB na Câmara Federal e recém-escolhido como candidato à vice-presidente.

FECHADAS AS URNAS NO dia 5 de outubro, Marina Silva teve 22,1 milhões de votos; o equivalente a 21,32% do total de votos válidos, tirando a ex-senadora do segundo turno entre Dilma Rousseff e Aécio Neves. Foi um resultado ruim para uma candidata que liderou diversas pesquisas, mas que não conseguiu enfrentar as críticas dos adversários. Foi um resultado ainda pior para uma postulante que havia alcançado 19,6 milhões de votos na última corrida presidencial. Marina saiu da eleição de 2014 menor do que havia entrado.

A permanência da ex-senadora no PSB também sofreu um revés nesse período. Oito dias depois da derrota de Marina, a Executiva Nacional do PSB elegeu Carlos Siqueira para a presidência do partido, com o apoio da ala pernambucana e da família Campos. Passado o segundo turno, a Rede decidiu que era a hora de se desligar dos socialistas e voltou a coletar assinaturas para obter o registro partidário. Em maio deste ano, o grupo entregou os apoiamentos que faltavam ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A validade das certidões estão sendo validadas. Se a Rede for registrada até o início de outubro, os “marineiros” vão poder concorrer nas eleições do próximo ano.

Seis meses antes, a Executiva da Rede decidiu fazer oposição à presidente Dilma Rousseff, independente de qual fosse ser a posição definida pelo PSB. O grupo conseguiu eleger seis deputados estaduais, dois deputados federais e um senador. Uma bancada pequena considerando que a candidata da sigla amealhou mais de 20 milhões de votos. O enfraquecimento de Marina Silva no plano nacional contrasta com o resultado esmagador que o PSB conquistou em Pernambuco, terra natal de Eduardo Campos.






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