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Da luta ao luto

Da luta ao luto - Eduardo Campos

O PSB DE PERNAMBUCO havia amanhecido em festa no dia 13 de agosto de 2014. Na noite anterior, o ex-governador Eduardo Campos tinha concedido entrevista ao Jornal Nacional, da Rede Globo, como candidato à Presidência da República. A sua participação no maior telejornal do País fora considerada pelo partido como um divisor de águas na campanha. Na Grande São Paulo, a entrevista marcou 23 pontos de audiência; o equivalente a 4,2 milhões de telespectadores. E Eduardo se saiu bem.

Entre os aliados, a avaliação era de que, apesar da tradicional pressão aplicada pelos apresentadores do JN, Campos havia respondido às perguntas com clareza e demonstrado segurança. “O jogo vai começar quando eu sentar na bancada do Jornal Nacional. O Brasil vai me conhecer e conhecer a minha história”, disse o presidenciável três dias antes ao senador eleito Fernando Bezerra Coelho (PSB).

A pesquisa do Datafolha divulgada no dia 18 de julho apontou que 41% dos eleitores afirmavam não conhecer o ex-governador. Outros 34% diziam só ter ouvido falar de Campos. Apenas 7% garantiam conhecê-lo bem. O socialista aparecia com 8% das intenções de voto.

A entrevista aconteceu apenas seis dias antes do início da propaganda eleitoral no rádio e na TV, tida como central para o desempenho do pernambucano nas urnas. O primeiro guia eleitoral exibiria o principal trunfo de Campos para se tornar nacionalmente conhecido: o apoio da ex-senadora Marina Silva, sua vice na chapa presidencial. Candidata em 2010, ela havia amealhado 19,6 milhões de votos.

Da luta ao luto - Eduardo Campos

Eduardo Campos em entrevista ao Jornal Nacional horas antes do acidente aéreo que vitimou ele e outras sete pessoas em plena campanha presidencial.
Foto: divulgação/TV Globo

Desde que iniciara a campanha, Eduardo Campos tentava manter a confiança nas chances de chegar ao Palácio do Planalto. A despeito de não pontuar bem nas pesquisas, o socialista assegurava piamente que uma onda de crescimento começaria a partir do dia 19 de agosto e que esse movimento poderia levá-lo ao segundo turno.

Muito mais do que seu conhecido espírito impetuoso, o pernambucano fundamentava sua confiança na crença de que havia um forte sentimento de mudança na sociedade que tinha sido expresso na onda de protestos ocorrida em junho de 2013, cobrando melhoria na prestação de serviços públicos e uma mudança na forma de fazer política. As principais manifestações se seguiram até julho. Em outubro, já posto como opção no cenário presidencial, Campos surgiu com o slogan de “nova política”, adaptado de Marina.

A avaliação do candidato podia ser respaldada por números. No dia 7 de agosto, o Ibope divulgou um levantamento que mostrava que 30% dos eleitores queriam uma mudança total no governo do País e outros 39% esperavam que “mudasse muita coisa”. Apenas 11% dos entrevistados defendiam uma total continuidade da gestão atual, tocada pela presidente Dilma Rousseff (PT). Para Eduardo Campos, quando a eleição entrasse na pauta da população, esses índices minariam a liderança da petista nas pesquisas.

“Se a gente quer chegar a um outro lugar, a gente não pode ir pelos mesmos caminhos”, disse o candidato do PSB, na entrevista ao Jornal Nacional, tentando imprimir uma marca original e se diferenciar do PT e do PSDB. “É preciso ter coragem para mudar, para pensar diferente”, cravou.

Feliz com o resultado diante das câmeras, Eduardo levou a esposa Renata Campos, com quem era casado há 23 anos, para jantar em um restaurante em Copacabana, no Rio de Janeiro, na noite do dia 12. Além de Renata e do filho caçula, Miguel, nascido em janeiro, alguns assessores participaram do jantar. O clima era de descontração e confiança. O jogo havia começado.

EM PERNAMBUCO, ONDE EDUARDO Campos detinha hegemonia política após dois mandatos como governador, o desembaraço do líder político em rede nacional não era o único motivo para comemoração dentro do PSB. Na manhã do dia 13, o então governador João Lyra Neto e o prefeito do Recife, Geraldo Julio, foram ao Tribunal de Justiça receber a medalha da Ordem do Mérito Judiciário, como um reconhecimento do trabalho prestado ao Estado.

O clima de festa deu lugar ao de preocupação por volta das 10h30. No Palácio da Justiça, no bairro de Santo Antônio, área central do Recife, Lyra e Geraldo começaram a receber telefonemas nervosos; um após o outro. De Santos, cidade no litoral de São Paulo, vinha a notícia de que o jatinho de campanha de Eduardo estava desaparecido. O voo havia saído às 9h21 do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro. No final da manhã, Campos participaria de um ato de campanha ao lado do presidente do PSB em São Paulo, Márcio França.

Rota feita pelo jatinho que levava Eduardo Campos e demais vítimas

A apreensão só crescia com a falta de informações. No PSB, ninguém conseguia contato com Eduardo Campos ou com os assessores que estariam com ele na aeronave. Para piorar, portais de notícia diziam que um helicóptero havia caído em Santos por volta das 10 horas. “Não eram eles. Eles estavam num jatinho”, afirmou, no primeiro momento, uma fonte da Prefeitura do Recife. O tom de voz denunciava que a certeza estava longe de ser cabal.

Geraldo Julio foi o primeiro a deixar o TJPE. Saiu ao telefone, o rosto preocupado, o passo apressado. Vice de Eduardo durante todo o período em que ele chefiou o Palácio do Campo das Princesas, sede do Governo de Pernambuco, João Lyra limitou-se a dizer que precisava confirmar “alguns boatos” e que falaria com a imprensa mais tarde. Quando a filha dele, a deputada estadual Raquel Lyra, deixou o Plenário do Tribunal, estava aos prantos.

Como se confirmaria poucos minutos depois, Eduardo Campos havia morrido naquela manhã; exatamente nove anos depois do avô Miguel Arraes, um dos principais nomes da esquerda brasileira. Sua “luta”, como ele costumava classificar o sonho de chegar ao mais alto posto da política brasileira, dava lugar ao luto. O sonho havia sido interrompido.




O JATINHO CESSNA CITATION PR-AFA decolou do Rio de Janeiro em direção à base área de Santos, na cidade do Guarujá, em São Paulo. Além de Eduardo Campos, outras seis pessoas estavam na aeronave: o jornalista Carlos Percol, o fotógrafo Alexandre Severo, o cinegrafista Marcelo Lyra, o assessor Pedro Valadares Neto, e os pilotos Geraldo Magela Barbosa da Cunha e Marcos Martins. Todos morreram no acidente aéreo. A aeronave caiu em um quintal de uma área residencial no bairro do Boqueirão, em Santos. Oito casas foram danificadas e 11 pessoas que estavam na área ficaram feridas após o impacto.

Relatório preliminar do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes (Cenipa), órgão da Força Aérea Brasileira (FAB), divulgado no final de janeiro, afirma que o sistema hidráulico e os motores do avião estavam em pleno funcionamento na hora da queda. O documento também diz que não foram detectadas falhas de ordem técnica, incêndios ou choques contra aves ou objetos voadores não-tripulados. O órgão da Aeronáutica também divulgou que os pilotos não seguiram a carta de pouso sugerida para a base aérea de Santos e tentaram fazer um trajeto mais curto.

Foto do local do acidente após a queda.

Gravações divulgadas pela TV Globo dois meses após o acidente mostram que os pilotos tentaram arremeter devido ao mau tempo. O procedimento é realizado quando o avião volta a ganhar altitude depois que uma tentativa de pouso falha, para então voltar a descer. “Está prosseguindo para o… nova tentativa de pouso?”, pergunta o militar responsável por operar a base de Santos naquele dia. “Vamos aguardar e chamaremos novamente”, respondem os pilotos. Depois disso, nenhuma das dez tentativas de contato com a aeronave tiveram sucesso.

Dois trechos das gravações, porém, indicam complicações dos pilotos durante o contato com a base área. “Oufa, Fo… Alfa Fox Alfa”, afirma um dos condutores do avião ao passar o prefixo do jatinho. “Devido às condições, nós vamos su… é…”, dizem os pilotos minutos depois, ao serem consultados sobre o desejo de pousar na pista. Uma das hipóteses é de que o avião tenha caído por falha humana, decorrente de desorientação espacial. Cinco dias antes do acidente, Marcos Martins havia reclamado de cansaço em uma rede social. “Cansadaço, voar voar e voar . E amanhã tem mais”, postou.

O Cenipa chegou a analisar a caixa-preta do avião, recuperada pelo Corpo de Bombeiros, mas não foram encontradas gravações do voo do dia 13. A investigação está em fase final de análise, segundo a Aeronáutica, mas não há previsão de quando o relatório final será produzido. O trabalho do órgão, porém, busca identificar os fatores que contribuíram para o acidente e emitir recomendações de segurança para que eles não se repitam.

Post onde o piloto reclama do cansaço.

Nos últimos dias, familiares das vítimas apontaram para a possibilidade de a queda do jatinho ter sido resultado de uma falha técnica. De acordo com parecer técnico entregue ao Cenipa pela família dos pilotos, as aeronaves Cessna da mesma família do jatinho da campanha socialista apresentam uma falha no estabilizador horizontal, que pode fazer com que o nariz do avião aponte para baixo quando os flaps, aparelhos que dão sustentação às asas, são recolhidos a uma velocidade superior a 200 nós.

“O parecer técnico, mais plausível, é no sentido de explicitar erro de projeto do estabilizador horizontal do avião sinistrado e de precedentes de problemas idênticos com outras aeronaves semelhantes”, afirmou Antônio Campos, em uma entrevista publicada no seu blog. “Estamos aguardando as conclusões dos inquéritos civil e penal, mas, por enquanto, é nessa hipótese que eu acredito”, apontou o advogado. A hipótese está sendo estudada pela Aeronáutica.

Após o acidente, tomou corpo uma polêmica sobre a propriedade do avião utilizado durante toda a campanha de Campos, e mesmo antes, na fase de pré-campanha. No registro da Anac, o jatinho aparece como pertencendo a AF Andrade, uma empresa de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, que teria feito o arrendamento junto à fabricante Cessna.

Os advogados da AF Andrade, porém, dizem ter repassado a aeronave para os empresários pernambucanos Apolo Santana Vieira e João Carlos Lyra Pessoa de Mello Filho, sócios da Bandeirantes Companhia de Pneus. A dupla nega ter concretizado a compra. Além disso, a operação era considerada ilegal porque a empresa paulista decretou falência, o que significa que os seus bens só poderiam ser vendidos com autorização judicial.

O imbróglio sobre os donos da aeronave logo levou ao questionamento sobre como ela vinha sendo utilizada na campanha presidencial de Campos. O PSB disse apenas que o avião era cedido em caráter de empréstimo, que seria contabilizado e declarado na prestação final de contas da campanha.

Foto do jato Cessna PR-AFA, utilizado por Eduardo. Foto: Reprodução de vídeo.

No prazo final estabelecido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as prestações de contas apresentadas pelo PSB não faziam citação ao jatinho. De acordo com o partido, os dados não foram apresentados porque a Anac ainda não conseguiu determinar o tempo de voo da aeronave e que, de posse dessas informações, apresentaria uma retificação da prestação de contas à Justiça Eleitoral.

Quando passou a ser usado por Campos, o Cessna tinha 350 horas de voo. A aeronave é um jato executivo de duas turbinas, com capacidade para levar até nove passageiros. Fabricado em 2010, o avião tem autonomia para voar por 3.900 quilômetros sem precisar reabastecer o combustível. Sua velocidade máxima é de 800 km/h.

SÓ NA MADRUGADA DO sábado, 16, três dias depois do acidente, é que os restos mortais de Eduardo Campos, Carlos Percol, Alexandre Severo e Marcelo Lyra chegaram ao Recife. A identificação das vítimas foi feita por DNA, devido ao estado de fragmentação dos corpos. Os caixões fechados seguiram para o Palácio do Campo das Princesas, no bairro de Santo Antônio, na região central do Recife. O velório ocorreu durante toda a noite, no prédio onde Campos havia construído a maior parte de sua vida política; como chefe de gabinete, secretário da Fazenda e governador do Estado. Segundo a Polícia Militar, cerca de 160 mil pessoas passaram pelo local nas 15 horas seguintes.

No domingo, 17, uma missa em homenagem ao ex-governador foi celebrada pelo arcebispo de Olinda e Recife, dom Fernando Saburido. Todos os detalhes da cerimônia de despedida foram decididos com o aval de Renata Campos, que se colocou como defensora primordial do legado do marido, o que traria efeitos políticos para a disputa eleitoral. Nos momentos em que a ex-primeira-dama aparentava estar menos abalada, o cerimonial do Palácio lhe sugeria ideias que ela consentia ou não. Tudo passava por seu crivo. Em certo momento, o cerimonial achou que seria importante ter cadeiras à disposição dos familiares e autoridades que acompanhariam a missa. Renata decidiu que todos ficariam em pé, e assim foi.

O palanque armado em frente ao Palácio era repartido em três espaços. Os caixões de Eduardo Campos, Carlos Percol e Alexandre Severo ficaram ao centro e só eram acessíveis aos familiares e aos políticos mais importantes. As laterais foram destinadas para as demais autoridades e aliados de menor envergadura. Na frente, um corredor gradeado permitia que a população desse uma rápida passagem para contemplar os caixões fechados. Alguns dos populares aproveitaram o momento para fazer autorretratos com os celulares, as chamadas “selfies”, que causaram polêmica na Internet ante a indelicadeza do gesto em pleno funeral.

Se no íntimo, reservada, Renata Campos chorou a morte do marido, o companheiro de toda a vida, publicamente demonstrou ser extremamente forte e decidida. A mesma postura que ela adotou nas difíceis e intricadas decisões políticas que teve que assumir nos dias e semanas posteriores à morte de Eduardo. Na casa da família, no bairro de Dois Irmãos, Zona Norte do Recife, enquanto os filhos se revezavam constantemente entre a área pública e o interior da residência, Renata permanecia sempre no térreo e recebia a todos, mesmo a pessoas comuns, que só quisessem lhe transmitir um voto de pesar.

MORTO EM PLENA CAMPANHA, Eduardo Campos teve o enterro transformado em um ato político. Prova disso é que os adversários Dilma Rousseff e Aécio Neves (PSDB) interromperam suas respectivas agendas para comparecer à missa celebrada por dom Saburido. Também compareceu o ex-presidente Lula (PT), de quem o ex-governador havia sido ministro da Ciência e Tecnologia e com quem manteve uma amizade de anos, que só se esmaeceu no momento em que Campos rompeu com o PT para disputar o Planalto.

Lula e Dilma na missa de Eduardo. Foto: Guga Matos/
JC Imagem.

O clima de fraternidade política foi quebrado no momento em que parte do público vaiou a presença da presidente. O tom de acirramento eleitoral foi endossado pelo senador Jarbas Vasconcelos (PMDB). “Ela não tinha nada o que fazer aqui. Foi falso, porque Dilma não gostava mais de Eduardo”, disparou à imprensa. Jarbas havia passado mais tempo como adversário do que como aliado de Campos e os dois chegaram a disputar o cargo de governador em 2010, quando o socialista foi reeleito com 82% dos votos. A aliança só veio dois anos depois, quando o peemedebista foi atraído para a frente hegemônica costurada por Eduardo seduzido pela possibilidade de derrotar o PT nas urnas.

Marina no enterro de Eduardo. Foto: Guga Matos/
JC Imagem.

Ao lado de Renata Campos, a primazia era de Marina Silva. Empurrada para o grupo político do pernambucano pela força da legislação eleitoral, a ex-senadora havia se convertido na principal aliada de Campos na disputa para chegar à Presidência da República. Nos últimos dez meses, os dois haviam convivido muito intensamente, construindo o que chamavam de a primeira aliança programática da política brasileira. Abatida, Marina se manteve extremamente cerimoniosa em respeito pela morte do companheiro de chapa. No Recife, ao contrário dos demais políticos nacionais, que acompanharam apenas a missa pela manhã, a ex-senadora seguiu o cortejo fúnebre até o Cemitério de Santo Amaro, no Centro.

O caixão de Campos foi levado até o campo santo num carro do Corpo de Bombeiros que, a despeito de a Legislação proibir campanha em veículos oficiais, carregava faixas com a frase “Não vamos desistir do Brasil”. Dita pelo presidenciável no final da entrevista ao Jornal Nacional, a fala virou lema das campanhas do PSB após o acidente. A família seguiu em cima do veículo. A mãe do ex-governador, a ministra do Tribunal de Contas da União (TCU) Ana Arraes, dava sinais de esgotamento físico e parecia estar em estado de choque. Mais vigorosos, Renata e os filhos gritavam palavras de ordem, enquanto erguiam os punhos em gesto de resistência.

No caminho, uma multidão entoava gritos de “Fora Dilma” e cantava músicas que marcaram a trajetória política de Campos, como o frevo “Madeira do Rosarinho”, símbolo da campanha para governador. Quando o caixão chegou ao seu destino, a família Campos puxou o coro de “Eduardo/Guerreiro/Do povo brasileiro”. Houve um princípio de empurra-empurra, entre as pessoas que tentavam garantir um lugar para ver o enterro. A multidão só silenciou durante os 20 minutos de queima de fogos que marcaram a última despedida ao político.

Por volta das 18 horas, Eduardo Campos foi enterrado ao lado do túmulo do avô, Miguel Arraes, que o inspirou a entrar para a política.






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Publicado em 13/08/2015 - Copyright © 1997- 2015. NE10 - Recife - PE - Brasil. Expediente.

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